sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Max Stirner: O Anarquista Egoísta

Introdução

Retrato de Max Stirner, desenhado por Friedrich Engels.
 Johann Kaspar Schmidt, que usou o pseudónimo de Max Stirner durante a sua vida como autor, foi um filósofo da Baviera (na atual Alemanha) pertencente aos Jovens Hegelianos, conhecido principalmente pelos seus contributos em diversas áreas filosóficas, tais como o niilismo, e, mais importantemente, o anarquismo individualista.
 A principal obra de Stirner é O Único e a sua Propriedade, em que ele defende a abolição das variadas formas de opressão sobre o indivíduo, tais como a religião, o nacionalismo, bem como a sociedade em si.


O Único e a sua Propriedade: Conteúdo

Parte 1

Versão do século XIX d'O Único e a sua Propriedade.
 Na Parte 1 do seu magnum opus, Stirner discute as antigas sociedades, com o intuito de demonstrar que a sociedade em que vivia continuava a estar rendida à religiosidade, ao contrário do que era defendido na altura (ou seja, que a sociedade onde ele vivia já tinha esquecido a devoção religiosa). Max Stirner argumenta também que, ao contrário do que seria de esperar numa sociedade que, supostamente, era mais liberal, os indivíduos estavam cada vez mais rendidos à espiritualidade (é de notar que, para Stirner, qualquer subordinação do indivíduo ao espírito era considerada servidão religiosa).
 Stirner continua o seu ataque ao passado, focando-se na Reforma Protestante e em como aumentou o controlo religioso sobre o indivíduo, através da junção do espiritual com o "sensual". Max Stirner dá o exemplo de, nas sociedades protestantes, ser permitido ao clero casar, misturando assim o mundo espiritual, normalmente apenas reservado ao clero, com o mundo "sensual", representado pelo casamento, acessível a todos. Através desta insistência em separar estes dois mundos, registava-se uma extensão da esfera de influência religiosa.
 Stirner continua o livro criticando Feuerbach, e, mais à frente, todos os Hegelianos de Esquerda, e acaba a Parte 1 com a crítica que todos estes filósofos teriam cometido o mesmo erro que Feuerbach: separar o indivíduo da sua essência humana, e definir a essência como algo que o indivíduo teria que alcançar.

Parte 2

 Na Parte 2, Stirner fala da sua visão de uma sociedade futura, de como superar a religiosidade, e das suas visões de uma sociedade anarquista egoísta.
 Stirner começa por argumentar que, ao contrário do que inúmeros outros filósofos tinham afirmado, o contrato social seria o inverso do esperado. Max Stirner afirma que o estado de natureza do Homem não é individualista, isolacionista, mas sim um estado de vida em comunidade. Mais tarde, afirma que a sociedade e o indivíduo podem ser visto através da analogia da ligação entre uma mãe e o seu filho. Tal como a mãe cria o filho, e o filho mais tarde tenta escapar do estilo de vida pouco permissivo, enquanto a mãe o tenta manter sobre "o seu controlo", o indivíduo também é criado pela sociedade, e, quando o indivíduo tenta ser livre, afastando-se da sociedade, a sociedade tenta mantê-lo "preso".
Em ambos os casos referidos acima, pode-se concluir que a única maneira de o indivíduo se livrar de todas as suas "correntes", quer sejam a religião como a noção de nação, é  progredir de um modo de vida comunal  (comunitário ou societal) para um modo de vida egoísta.
 Stirner afirmou que as noções que defende na sua obra, O Único e a sua Propriedade, não são verdades universais, e esperava que o seu livro fosse usado "tal como uma escada" e descartado depois de utilizado para os fins próprios.

Noções básicas Stirnerianas

"Espíritos"

 Um "espírito" é, para Stirner, algo que influencia a atividade de um indivíduo, mas que na verdade não existe. Exemplos de "espíritos" são, por exemplo, o estado e a religião.

União de egoístas

 Max Stirner defendia que os indivíduos apenas se deveriam agregar em "uniões de egoístas", da qual,mal um dos indivíduos tivesse "conseguido o que queria", deveria-se retirar-se: assim, se indivíduo x tem que apanhar 20 laranjas, e indivíduo y precisa de apanhar 30 laranjas, eles podem unir-se e cooperar, porém, assim que x tenha colhido as suas 20 laranjas, deve quebrar a união, pois já não há interesse próprio naquela.

Noção da verdadeira extensão do egoísmo

 Stirner argumenta que, quando somos altruístas e cometemos uma ação orientada para o bem de algo, como um dos vários "espíritos", estamos só a agir para o bem de algo, que, mesmo que existisse, seria egoísta. É dado o exemplo de Deus. Deus age sempre para a Sua própria glória, mas, supostamente, não num sentido egoísta, pois Ele é pura caritas. Porém, Stirner argumenta o seguinte:
 "És chocado por este mal entendido, e ensinas-nos que a causa de Deus é de facto a causa da verdade e do amor, mas que isto não pode ser alheio a ele, porque Deus é Ele mesmo verdade e amor; és chocado pela suposição que Deus possa ser como nós pobres vermes em prosseguir uma causa alheia como a sua própria. "Deveria Deus assumir a causa da verdade se não fosse Ele mesmo a verdade?" Ele só se preocupa pela sua causa, mas, porque Ele é tudo o que existe, então tudo é a sua causa! Mas nós, nós não somos tudo o que existe, e a nossa causa é totalmente pequena e desprezível; por isso, temos que "servir uma causa superior."-Agora é claro, Deus apenas quer saber do que é dele, ocupa-se apenas consigo, pensa apenas em Si mesmo, e só tem-se a Si mesmo perante os seus olhos; aflição a tudo o que não Lhe agrade! Ele não serve nenhum superior, e satisfaz apenas a Si mesmo. A Sua causa é- uma causa puramente egoísta."(1)
 Desta forma, Stirner mostra-nos a verdadeira extensão do egoísmo: até Deus é egoísta, visto não ter ninguém acima dele. Por isso, porque não devemos ser nós egoístas também?

Influências

Karl Marx e Friedrich Engels

 Engels enviou, em 1844, uma carta a Marx, em que mostrou conhecimento sobre O Único e a sua Propriedade. Engels mostrou também interesse em debater, com Stirner, as suas bases, para lhe demonstrar que um Homem egoísta se tornaria um comunista, mas também que o egoísmo fazia, de certa maneira, parte da evolução até ao comunismo, como se pode ler no seguinte excerto:
Karl Marx e Friedrich Engels, respetivamente.
 "Este egoísmo é levado tão longe, é tão absurdo e ao mesmo tempo consciente de si mesmo, que não se consegue manter firme nem por um instante, mas deve imediatamente mudar para comunismo. Em primeiro lugar é uma simples tarefa de provar a Stirner que o seu Homem egoísta está destinado a tornar-se comunista devido ao seu puro egoísmo. Esta é a maneira de responder-lhe. Em  segundo lugar deve-lhe ser dito que no seu egoísmo o coração humano é simplesmente, desde o início,  altruísta e com a capacidade de se auto-sacrificar, de forma que ele acabe, finalmente, com o que ele combate. Estas frases sem significado serão suficientes para refutar a unilateralidade. Mas também temos que adotar a verdade que possa haver no princípio. E é certamente verdade que nós devemos primeiramente fazer uma causa como a nossa, causa egoísta, antes que possamos fazer algo para prosseguir - e é por isto que, neste sentido, independentemente de quaisquer eventuais aspirações materiais nós somos comunistas também devido a egoísmo, e é pelo meio de egoísmo que desejamos ser seres humanos, não meros indivíduos."(2)
 Mais tarde, Marx e Engels, na sua obra A Ideologia Alemã, argumentam contra Stirner, bem como contra Bauer e Feuerbach.

Friedrich Nietzsche

 Existe um debate sobre se Stirner terá influenciado Nietzsche. Nietzsche certamente ouviu falar de Stirner, devido à sua leitura de livros em que se falava das obras do filósofo, mas não há certezas sobre se Nietzsche alguma vez leu Stirner. Porém, ainda em vida de  Nietzsche, Eduard von Hartmann acusou-o de plagiar Stirner, devido às parecenças entre conceitos nietzscheanos e stirnerianos.

Anarquismo individualista

 Stirner foi uma das principais figuras no anarquismo individualista, ou seja, na forma de anarquismo que coloca o indivíduo acima de grupos, ideologias, etc.


Bibliografia
http://lifeinablog.com/wp-content/uploads/2015/05/KMFE.jpg
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/be/Ein1844v2.png 
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/b5/Max_stirner.jpg
http://www.arcaneknowledge.org/philtheo/stirner.htm
https://plato.stanford.edu/entries/max-stirner/#2.1
http://www.marxistsfr.org/archive//marx/works/1844/letters/44_11_19.htm
(Todos acedidos a 24-02-17)

Notas:
(1) Texto traduzido por mim, original extraído de aqui: You are shocked by this misunderstanding, and you instruct us that God’s cause is indeed the cause of truth and love, but that this cause cannot be called alien to him, because God is himself truth and love; you are shocked by the assumption that God could be like us poor worms in furthering an alien cause as his own. “Should God take up the cause of truth if he were not himself truth?” He cares only for his cause, but, because he is all in all, therefore all is his cause! But we, we are not all in all, and our cause is altogether little and contemptible; therefore we must “serve a higher cause.”—Now it is clear, God cares only for what is his, busies himself only with himself, thinks only of himself, and has only himself before his eyes; woe to all that is not well-pleasing to him! He serves no higher person, and satisfies only himself. His cause is—a purely egoistic cause.

(2) Texto traduzido por mim, original extraído de aqui: This egoism is taken to such a pitch, it is so absurd and at the same time so self-aware, that it cannot maintain itself even for an instant in its one-sidedness, but must immediately change into communism. In the first place it's a simple matter to prove to Stirner that his egoistic man is bound to become communist out of sheer egoism. That's the way to answer the fellow. In the second place he must be told that in its egoism the human heart is of itself, from the very outset, unselfish and self-sacrificing, so that he finally ends up with what he is combating. These few platitudes will suffice to refute the one-sidedness. But we must also adopt such truth as there is in the principle. And it is certainly true that we must first make a cause our own, egoistic cause, before we can do anything to further it – and hence that in this sense, irrespective of any eventual material aspirations, we are communists out of egoism also, and it is out of egoism that we wish to be human beings, not mere individuals.



1 comentário:

  1. Fiquei mais elucidado sobre Stirner com esta leitura. Finalmente posso entender a grande maioria das piadas que envolvem Max Stirner! :^)

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