segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Aluno VS Professor: Marx e Hegel, Idealismo e Materialismo

Introdução

Nesta nova "coluna" pretendo trazer ao público casos históricos em que alunos divergiram do caminho dado pelo seu professor, ou pelas suas influências. Exemplos históricos incluem Aristóteles e Platão, por exemplo. Porém, decidi começar a série com dois dos filósofos mais influentes na história da filosofia contemporânea: Hegel e Marx. Porém, quem foram Hegel e Marx?

Biografia

Hegel

Hegel

 Georg Wilhelm Friedrich Hegel foi um filósofo alemão que se enquadra na corrente do Idealismo Alemão. Hegel é conhecido não só pela sua filosofia, mas também pela dificuldade dos seus livros. De facto, Hegel escrevia de uma maneira atroz, tendo sido acusado de Obscurantismo ao longo dos anos por várias pobres almas que se perderam no meio da Fenomenologia do Espírito. Neste artigo, o principal foco será a sua dialética, que pode ser chamada de "Idealismo Dialético".

Marx

 Karl Marx foi um dos vários estudantes de Hegel, pertencendo aos Jovens Hegelianos de Esquerda, tendo ficado conhecido pelas suas críticas ao Capitalismo, teorias económicas, e por ser, juntamente com Friedrich Engels, um dos fundadores da corrente filosófica/económica comunista. Marx criou o Materialismo Dialético, que se opõe diretamente à Dialética Hegeliana. Marx viria a afirmar que "se limitou" a virar a teoria de Hegel de "pernas para o ar". Vejamos as diferenças entre as duas dialéticas.

Dialéticas

Hegeliana

 A Dialética Hegeliana aplica-se a várias áreas, como a Lógica e a Fenomenologia. Porém,  focar-nos-emos na sua aplicação à História, área que mereceu grande enfoque por parte de Hegel.
 Esta forma de dialética é baseada, tal como qualquer dialética, na Dialética de Platão. Porém, Hegel criticou duramente Platão e a sua versão da dialética, pois é ineficaz quando toca a lidar com o cepticismo, por exemplo.
 Hegel define que, na história, existem três momentos:
  1. Afirmação;
  2. Negação;
  3. E Negação da Negação.
 Hegel argumenta que a História se faz em três movimentos, sendo que o terceiro é o conjugar dos bons e dos maus aspetos dos dois antecedentes - uma síntese de contrários. Talvez com um exemplo fique mais claro.
 Os Atenienses tinham um sistema em que havia grande liberdade individual, porém, não havia organização coletiva. Porém, os Persas, que os conquistaram, tinham grande capacidade de organização coletiva, mas odiavam a liberdade individual. Temos aqui a Afirmação (Tese, como dirá Marx) e a Negação (Antítese). Finalmente,o Império Romano entrou em cena, e atingiu-se uma síntese das duas outras sociedades. Havia uma boa quantidade de liberdade individual, e uma boa capacidade de organização coletiva. Existem vários exemplos na História de ocorrências semelhantes.
 Hegel definia este movimento como que um pêndulo motivado pelo pensamento, pela alma, pela mente, pelos ideais das pessoas que viviam no tempo em questão, em busca de maior liberdade política. E é aqui que Marx diz que não.

Marxista

 Marx adopta um sistema semelhante de dialética, porém, baseia-se no Materialismo. Isto é, são as condições materiais que moldam a história, não Deus, ou os ideais.
Marx
 Para Marx, liberdade económica significa liberdade "pura e dura", ou seja, os escravos não lutavam por quererem liberdade política, ou liberdade individual, mas sim por quererem liberdade económica.
 Engels e Lenine seriam os principais impulsionadores do Materialismo Dialético.
 A teoria marxista da História tem o nome de Materialismo Histórico, e baseia-se no referido acima: a História é determinada pelas condições económicas e materiais dos povos, ou seja, as relações interpessoais para satisfazer necessidades básicas, e.g. comida.
 O Materialismo Histórico oferece-nos também uma interpretação da História Universal em seis fases, pelas quais a Europa especificamente passou e irá passar, de acordo com Marx.
  1. Comunismo primitivo;
  2. Sociedade de escravos;
  3. Feudalismo;
  4. Capitalismo;
  5. Socialismo;
  6. Comunismo.
 É de notar também que Marx define que uma das coisas que nos separa dos animais são o facto de possuirmos meios de produção, com quais produzimos a nossa subsistência, como se pode ver no seguinte excerto:
 "Os Homens podem ser distinguidos dos animais pela consciência, pela religião ou qualquer outra coisa que queiras. Eles próprios começam a distinguir-se a si mesmos de animais, assim que começam a produzir os seus meios de subsistência, um passo que é condicionado pela sua organização física. Através da produção dos seus meios de subsistência os Homens estão indiretamente a produzir a sua verdadeira vida material."(1)
 Através deste excerto, Marx transmite-nos que as condições materiais, especificamente o facto de as podermos controlar através dos meios de produção, são o que separam os Homens dos animais.

 Conclusão

 Podemos observar neste artigo algumas das várias diferenças entre o professor, Hegel, e o aluno, Marx. É de notar a diferença marcante entre os dois, visto que pertencem a campos completamente opostos do ponto de vista filosófico (o Idealismo e o Materialismo), mas também é de notar que, mesmo quando o aluno quer ser "rebelde" e fugir às influências do seu professor, fica sempre retida um resto de teoria.


Notas
(1) Texto original, retirado de aqui: "Men can be distinguished from animals by consciousness, by religion or anything else you like. They themselves begin to distinguish themselves from animals as soon as they begin to produce their means of subsistence, a step which is conditioned by their physical organisation. By producing their means of subsistence men are indirectly producing their actual material life.  

Bibliografia:
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/0/08/Hegel_portrait_by_Schlesinger_1831.jpg
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/d4/Karl_Marx_001.jpg
https://www.youtube.com/watch?v=q54VyCpXDH8
https://www.marxists.org/glossary/terms/h/i.htm#historical-materialism
Todos acedidos a 27-02-17

domingo, 26 de fevereiro de 2017

Ensaio sobre o Dialeteísmo Social

Introdução

 Por achar uma leitura interessante, e também com o fim de divulgar a minha "filosofia", escrevo este pequeno post, em que publicarei um link para o download de um pdf do meu mais recente ensaio, com o título de A sociedade da razão irracional, em que faço uma contestação da Lei da Não Contradição, no que toca ao nível da sua aplicação à sociedade, em que apoio o Dialeteísmo Social, e em que exponho nomes para as diferentes verdades que coexistem nas diferentes sociedades.


Nota:
 Deixo aqui um excerto do ensaio anterior, Considerações sobre o suicídio, em que o problema do Dialeteísmo surgiu pela primeira vez na minha escrita. Recomendo a leitura deste excerto previamente à leitura do ensaio que divulgo neste post, devido ao presente ensaio ser altamente baseado em conclusões a que cheguei no Considerações sobre o suicídio.


"Imaginemos um povo que, desde os tempos primordiais, tinha como verdade dois mais dois ser cinco. Porém, certo dia, um dos membros do povo escrevia um livro a provar que dois mais dois é igual a quatro.
Ninguém acreditaria nele, certamente. Afinal, durante séculos a tradição mandou, e esta nova verdade não poderia ser, bem, verdade.
Temos, portanto, de fazer a distinção entre estas duas verdades. A verdade social, trata-se, neste caso, de uma super-verdade(9). Ou seja, uma concepção quase intocável, aceite pela maioria, que, numa tirania semi-democrática, a pregam aos seus descendentes.
A outra verdade denomina-se simplesmente de “verdade”, pois tem valor lógico verdadeiro.
Porém, neste caso, trata-se de uma verdade individual, pois vai contra a super-verdade, apesar de estar correta!
Logo, conseguimos por isso deduzir e afirmar, que na sociedade que desenvolvemos e mantemos existem pseudo-dialetheias.
(9) Uma super-verdade pode-se definir como uma preposição, com qualquer valor lógico, aceite pela maioria de um grupo como verdade, talvez mesmo ao ponto de haver larga resistência à mudança desta mesma por parte do grupo em estudo."

Download


 Clique aqui  

Politiquices - A vida depois dos 30 (dias)


   Depois de um polémico primeiro mês que procedeu à tomada de posse (que por si só foi bastante polémica), decidi através do Politiquices fazer um apanhado dos momentos mais marcantes destas últimas quatro semanas que abalaram a comunidade internacional. 
  E para o leitor que acha que um mês é pouco tempo para causar mossa, prepare-se, que hoje iremos mexer com IMENSA papelada, de certa forma para compensar o atraso da rubrica.



 Trump e os media - a tomada de posse com um cheirinho a filosofia sofista

  Como se deve lembrar, estimado leitor, no dia 20 do mês passado foi realizada a cerimónia da tomada de posse do 45.º Presidente dos EUA, Donald John Trump (até dói, de forma figurativa, escrever este nome não-ironicamente). 
   E, como também suspeito que se deva lembrar (se esteve atento à atualidade política nos últimos 10 anos pelo menos), recorda-se do impacto que teve no povo americano a eleição do primeiro presidente de cor.
  Agora, regressando à atualidade, ir-lhe-ei fazer um teste visual (em princípio, sem ilusões óticas). Gostaria que dirigisse o seu olhar para a seguinte imagem:

À esquerda, temos a tomada de posse do Obama em 2009 captada de uma vista aérea. 
À direita, a de Trump.

   Portanto, se confiarmos nas nossas capacidades empíricas, conseguiremos deduzir de imediato que a tomada de posse de Trump deixou um bocadinho a desejar em termos de tamanho do púlpito para o qual se dirigia, em comparação com Obama.

   Ora bem, por mais hilariante que pareça, o executivo de Trump, no dia seguinte, naquela que seria a sua primeira conferência de imprensa, em vez de abordar um assunto estruturante para os EUA ou outro tópico de interesse internacional, decide apenas acusar os media de manipularem os números de espetadores (descartando os que não estavam presentes fisicamente) registados, garantindo que teve a maior audiência "de sempre! Period.

   A não ser que Sean Spicer, porta-voz da Casa Branca, tenha desenvolvido o método cartesiano de tal forma que deixe David Hume a questionar os seus estudos dentro da sua campa, recomendo uma ida ao oculista de forma a que lhe alterem a graduação das suas lentes de contacto, que só deveria estar a ver uma mancha enorme de pessoas. Coitado.


Claramente, tudo fica mais claro com a graduação correta.

   Enfim, a situação ficou de tal forma ridícula só por causa daquelas imagens em comparação, que a conselheira e ex-gestora da campanha presidencial de Trump, Kellyanne Conway, em defesa de Sean Spicer, desistiu de tentar provar a perspetiva de Spicer como sendo verdadeira, porque na verdade ela encontra-se composta por "factos alternativos". Nem os próprios sofistas sofismavam desta forma, sabendo-se que esta situação acabou por agravar as relações entre a Casa Branca e os media (quer dizer, nem toda a gente aprecia ter o seu trabalhado denominado de fake news constantemente, até ao ponto de ser barrado de entrar em conferências de imprensa).



 Trump e as políticas migratórias

   Sabíamos que Donald J. Trump prometeu ao povo americano a contrução do muro sobre a fronteira com o México. Sabíamos que iria impedir a entrada dos refugiados e dos muçulmanos nos EUA. Sabíamos que ia quebrar todo o tipo de acordos que fossem, em seu entender, minimamente negativos para com os EUA. O que não sabíamos (neste caso, darei ênfase a mim mesmo1), é que iria cumprir a palavra honrada. Nem que tivesse sido por um curto momento, cumpriu.

   Nunca pensei escrever isto alguma vez, mas Trump é o único político que desejava que fosse como o estereótipo de todos os funcionários da classe política: "Demagogia acima das ações, porque sem isso não tenho votos". Não é que não seja também o caso de Trump, mas não se aplicou a tudo.

   Ora bem, avançando para este tópico, a 25 de janeiro, Trump assina o decreto presidencial que lança o projeto da construção de um muro na fronteira com o México (para bloquear a entrada dos mexicanos do sul, que os do norte não incomodam assim tanto), e a 27 de janeiro impõe uma mudança na política migratória, ao assinar uma ordem executiva que negou o acesso ao país a refugiados (por um período mínimo de 120 dias) e indivíduos imigrantes de sete países de maioria muçulmana com "um elevado risco terrorista".


Lista de países banidos pela ordem presidencial de 27 de janeiro.

   Apesar de a última ordem ter durado apenas (aproximadamente) 13 dias, houve um caso relacionado, que em particular me chamou a atenção, sendo este o que envolveu o atleta olímpico britânico Mo Farah.
   O que aconteceu, resumidamente, foi o seguinte: tendo nascido num país em que os cidadãos estão banidos de entrarem (neste caso, no país dos piratas, a Somália), foi impossibilitado de visitar a família que vive nos EUA. No entanto, dias antes, tornara-se num dos cavaleiros da Rainha de Inglaterra (o que o faz um "cavaleiro pirata", do género de um corsário inglês do século XVI, se levarmos a sério o estereótipo). Conclusão, a suposta lei que impede a entrada de terroristas, impediu a entrada de cidadãos condecorados e prestigiados internacionalmente. Completamente lógico.

   Portanto, para concluir este segmento, farei minhas as palavras do bicampeão em atletismo olímpico: "A Rainha fez de mim um cavaleiro, Donald Trump tornou-me num alienígena".


 Mo Farah, o cavaleiro-pirata-terrorista e potencialmente um alienígena.

 Trump e a "máquina afinada à perfeição"
 
   Num último tópico destacarei o próprio executivo de Trump, que já sofreu alterações mal começou o mandato.

   No dia 13 de fevereiro, a Casa Branca quebrou o silêncio em relação à polémico em torno de Michael Flynn, conselheiro de segurança nacional, que se encontrava envolvido com uns certos telefonemas realizados com o embaixador da Rússia em Washington, Sergei Kisliak, nos momentos que antecederam a tomada de posse. Estes telefonemas revelaram-se interessantes devido à maneira como Flynn tratava a administração republicana, como sendo menos severa para com Moscovo do que a anterior administração de Obama, nomeadamente em assuntos como as sanções aprovadas após a anexação da Crimeia.

   Uma vez que Flynn mentiu (supostamente) sobre os contactos que tinha realizado com a Rússia, a Mike Pence, vice-presidente da máquina bem-oleada, decidiu demitir-se das suas funções enquanto podia.

   Para além disso, o nosso querido Mr. President regula a sua geringonça não só através de decretos e outras ordens que assina na Sala Oval, como também através das redes sociais, nomeadamente, o Twitter. Com uma média de cinco, reitero, CINCO tweets por dia nos seus primeiros trinta dias de mandato, a estrela dos reality-shows americanos não abdica do vício que revelara ter durante a sua campanha presidencial.


Exemplo de um dos vários tweets publicados diariamente. Tradução: "Poupem o público - Os media das NOTÍCIAS FALSAS está a tentar dizer que a imigração em grande escala na Suécia está a resultar na perfeição. NÃO!"

   Nos dias que antecederam a tomada de posse, um tweet de Trump revelou-se devastador ao ser capaz de fazer entrar em "queda-livre" o valor das ações de mercado da Toyota.


toyota.jpg
Retirado do jornal The Independent, é possível visualizar a descida de 1,2 mil milhões (ou billions em termos americanos) das ações da Toyota, numa questão de minutos.

   Durante o seu mandato, o momento que destaco, queridos leitores, é aquele em que, após ser aprovada a construção do muro na fronteira com o México, Benjamin Netanyahu comenta isto:


Tradução: "O Presidente Trump está correto. Eu construí um muro ao longo da fronteira sul de Israel. Parou toda a imigração ilegal. Grande sucesso. Grande ideia. "

   Benjamin Netanyahu lembra-me a Simone de Oliveira naqueles anúncios do Calcitrin, em que, em particular com uma entrevistadora, começa a falar dos benefícios do Calcitrin como se fosse o segredo do seu sucesso após estes anos todos. Neste caso, basta substituir o produto anunciado por uma parede, a Simone por Netanyahu, e poderia começar a rodar já amanhã o anúncio. Fica a sugestão.


Até já fiz o cartaz. Com um budget baixo, mas fiz.
   Enfim, despeço-me agora, desejando que não seja a última vez a fazê-lo, mas se o mundo acabar até lá, parabenizo desde já a nossa capacidade de sobrevivência após estes primeiros 30 dias. Parabéns, caros leitores!

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Filosofia com Tejo ao fundo: esquema sobre os níveis de aplicação da Dúvida Metódica de Descartes

                                                                                             Rodrigo Carvalho, 11º B  (aula de 21/2)

Max Stirner: O Anarquista Egoísta

Introdução

Retrato de Max Stirner, desenhado por Friedrich Engels.
 Johann Kaspar Schmidt, que usou o pseudónimo de Max Stirner durante a sua vida como autor, foi um filósofo da Baviera (na atual Alemanha) pertencente aos Jovens Hegelianos, conhecido principalmente pelos seus contributos em diversas áreas filosóficas, tais como o niilismo, e, mais importantemente, o anarquismo individualista.
 A principal obra de Stirner é O Único e a sua Propriedade, em que ele defende a abolição das variadas formas de opressão sobre o indivíduo, tais como a religião, o nacionalismo, bem como a sociedade em si.


O Único e a sua Propriedade: Conteúdo

Parte 1

Versão do século XIX d'O Único e a sua Propriedade.
 Na Parte 1 do seu magnum opus, Stirner discute as antigas sociedades, com o intuito de demonstrar que a sociedade em que vivia continuava a estar rendida à religiosidade, ao contrário do que era defendido na altura (ou seja, que a sociedade onde ele vivia já tinha esquecido a devoção religiosa). Max Stirner argumenta também que, ao contrário do que seria de esperar numa sociedade que, supostamente, era mais liberal, os indivíduos estavam cada vez mais rendidos à espiritualidade (é de notar que, para Stirner, qualquer subordinação do indivíduo ao espírito era considerada servidão religiosa).
 Stirner continua o seu ataque ao passado, focando-se na Reforma Protestante e em como aumentou o controlo religioso sobre o indivíduo, através da junção do espiritual com o "sensual". Max Stirner dá o exemplo de, nas sociedades protestantes, ser permitido ao clero casar, misturando assim o mundo espiritual, normalmente apenas reservado ao clero, com o mundo "sensual", representado pelo casamento, acessível a todos. Através desta insistência em separar estes dois mundos, registava-se uma extensão da esfera de influência religiosa.
 Stirner continua o livro criticando Feuerbach, e, mais à frente, todos os Hegelianos de Esquerda, e acaba a Parte 1 com a crítica que todos estes filósofos teriam cometido o mesmo erro que Feuerbach: separar o indivíduo da sua essência humana, e definir a essência como algo que o indivíduo teria que alcançar.

Parte 2

 Na Parte 2, Stirner fala da sua visão de uma sociedade futura, de como superar a religiosidade, e das suas visões de uma sociedade anarquista egoísta.
 Stirner começa por argumentar que, ao contrário do que inúmeros outros filósofos tinham afirmado, o contrato social seria o inverso do esperado. Max Stirner afirma que o estado de natureza do Homem não é individualista, isolacionista, mas sim um estado de vida em comunidade. Mais tarde, afirma que a sociedade e o indivíduo podem ser visto através da analogia da ligação entre uma mãe e o seu filho. Tal como a mãe cria o filho, e o filho mais tarde tenta escapar do estilo de vida pouco permissivo, enquanto a mãe o tenta manter sobre "o seu controlo", o indivíduo também é criado pela sociedade, e, quando o indivíduo tenta ser livre, afastando-se da sociedade, a sociedade tenta mantê-lo "preso".
Em ambos os casos referidos acima, pode-se concluir que a única maneira de o indivíduo se livrar de todas as suas "correntes", quer sejam a religião como a noção de nação, é  progredir de um modo de vida comunal  (comunitário ou societal) para um modo de vida egoísta.
 Stirner afirmou que as noções que defende na sua obra, O Único e a sua Propriedade, não são verdades universais, e esperava que o seu livro fosse usado "tal como uma escada" e descartado depois de utilizado para os fins próprios.

Noções básicas Stirnerianas

"Espíritos"

 Um "espírito" é, para Stirner, algo que influencia a atividade de um indivíduo, mas que na verdade não existe. Exemplos de "espíritos" são, por exemplo, o estado e a religião.

União de egoístas

 Max Stirner defendia que os indivíduos apenas se deveriam agregar em "uniões de egoístas", da qual,mal um dos indivíduos tivesse "conseguido o que queria", deveria-se retirar-se: assim, se indivíduo x tem que apanhar 20 laranjas, e indivíduo y precisa de apanhar 30 laranjas, eles podem unir-se e cooperar, porém, assim que x tenha colhido as suas 20 laranjas, deve quebrar a união, pois já não há interesse próprio naquela.

Noção da verdadeira extensão do egoísmo

 Stirner argumenta que, quando somos altruístas e cometemos uma ação orientada para o bem de algo, como um dos vários "espíritos", estamos só a agir para o bem de algo, que, mesmo que existisse, seria egoísta. É dado o exemplo de Deus. Deus age sempre para a Sua própria glória, mas, supostamente, não num sentido egoísta, pois Ele é pura caritas. Porém, Stirner argumenta o seguinte:
 "És chocado por este mal entendido, e ensinas-nos que a causa de Deus é de facto a causa da verdade e do amor, mas que isto não pode ser alheio a ele, porque Deus é Ele mesmo verdade e amor; és chocado pela suposição que Deus possa ser como nós pobres vermes em prosseguir uma causa alheia como a sua própria. "Deveria Deus assumir a causa da verdade se não fosse Ele mesmo a verdade?" Ele só se preocupa pela sua causa, mas, porque Ele é tudo o que existe, então tudo é a sua causa! Mas nós, nós não somos tudo o que existe, e a nossa causa é totalmente pequena e desprezível; por isso, temos que "servir uma causa superior."-Agora é claro, Deus apenas quer saber do que é dele, ocupa-se apenas consigo, pensa apenas em Si mesmo, e só tem-se a Si mesmo perante os seus olhos; aflição a tudo o que não Lhe agrade! Ele não serve nenhum superior, e satisfaz apenas a Si mesmo. A Sua causa é- uma causa puramente egoísta."(1)
 Desta forma, Stirner mostra-nos a verdadeira extensão do egoísmo: até Deus é egoísta, visto não ter ninguém acima dele. Por isso, porque não devemos ser nós egoístas também?

Influências

Karl Marx e Friedrich Engels

 Engels enviou, em 1844, uma carta a Marx, em que mostrou conhecimento sobre O Único e a sua Propriedade. Engels mostrou também interesse em debater, com Stirner, as suas bases, para lhe demonstrar que um Homem egoísta se tornaria um comunista, mas também que o egoísmo fazia, de certa maneira, parte da evolução até ao comunismo, como se pode ler no seguinte excerto:
Karl Marx e Friedrich Engels, respetivamente.
 "Este egoísmo é levado tão longe, é tão absurdo e ao mesmo tempo consciente de si mesmo, que não se consegue manter firme nem por um instante, mas deve imediatamente mudar para comunismo. Em primeiro lugar é uma simples tarefa de provar a Stirner que o seu Homem egoísta está destinado a tornar-se comunista devido ao seu puro egoísmo. Esta é a maneira de responder-lhe. Em  segundo lugar deve-lhe ser dito que no seu egoísmo o coração humano é simplesmente, desde o início,  altruísta e com a capacidade de se auto-sacrificar, de forma que ele acabe, finalmente, com o que ele combate. Estas frases sem significado serão suficientes para refutar a unilateralidade. Mas também temos que adotar a verdade que possa haver no princípio. E é certamente verdade que nós devemos primeiramente fazer uma causa como a nossa, causa egoísta, antes que possamos fazer algo para prosseguir - e é por isto que, neste sentido, independentemente de quaisquer eventuais aspirações materiais nós somos comunistas também devido a egoísmo, e é pelo meio de egoísmo que desejamos ser seres humanos, não meros indivíduos."(2)
 Mais tarde, Marx e Engels, na sua obra A Ideologia Alemã, argumentam contra Stirner, bem como contra Bauer e Feuerbach.

Friedrich Nietzsche

 Existe um debate sobre se Stirner terá influenciado Nietzsche. Nietzsche certamente ouviu falar de Stirner, devido à sua leitura de livros em que se falava das obras do filósofo, mas não há certezas sobre se Nietzsche alguma vez leu Stirner. Porém, ainda em vida de  Nietzsche, Eduard von Hartmann acusou-o de plagiar Stirner, devido às parecenças entre conceitos nietzscheanos e stirnerianos.

Anarquismo individualista

 Stirner foi uma das principais figuras no anarquismo individualista, ou seja, na forma de anarquismo que coloca o indivíduo acima de grupos, ideologias, etc.


Bibliografia
http://lifeinablog.com/wp-content/uploads/2015/05/KMFE.jpg
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/be/Ein1844v2.png 
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/b5/Max_stirner.jpg
http://www.arcaneknowledge.org/philtheo/stirner.htm
https://plato.stanford.edu/entries/max-stirner/#2.1
http://www.marxistsfr.org/archive//marx/works/1844/letters/44_11_19.htm
(Todos acedidos a 24-02-17)

Notas:
(1) Texto traduzido por mim, original extraído de aqui: You are shocked by this misunderstanding, and you instruct us that God’s cause is indeed the cause of truth and love, but that this cause cannot be called alien to him, because God is himself truth and love; you are shocked by the assumption that God could be like us poor worms in furthering an alien cause as his own. “Should God take up the cause of truth if he were not himself truth?” He cares only for his cause, but, because he is all in all, therefore all is his cause! But we, we are not all in all, and our cause is altogether little and contemptible; therefore we must “serve a higher cause.”—Now it is clear, God cares only for what is his, busies himself only with himself, thinks only of himself, and has only himself before his eyes; woe to all that is not well-pleasing to him! He serves no higher person, and satisfies only himself. His cause is—a purely egoistic cause.

(2) Texto traduzido por mim, original extraído de aqui: This egoism is taken to such a pitch, it is so absurd and at the same time so self-aware, that it cannot maintain itself even for an instant in its one-sidedness, but must immediately change into communism. In the first place it's a simple matter to prove to Stirner that his egoistic man is bound to become communist out of sheer egoism. That's the way to answer the fellow. In the second place he must be told that in its egoism the human heart is of itself, from the very outset, unselfish and self-sacrificing, so that he finally ends up with what he is combating. These few platitudes will suffice to refute the one-sidedness. But we must also adopt such truth as there is in the principle. And it is certainly true that we must first make a cause our own, egoistic cause, before we can do anything to further it – and hence that in this sense, irrespective of any eventual material aspirations, we are communists out of egoism also, and it is out of egoism that we wish to be human beings, not mere individuals.



quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

O que é Conhecer? - cinco parágrafos sobre a perspetiva fenomenológica.

A perspetiva fenomenológica do conhecimento limita-se a uma análise descritiva dos elementos e  características essenciais do conhecimento. 

Nesta perspetiva, o conhecimento é concebido enquanto fenómeno - isto é, enquanto objeto tal como aparece a uma consciência.


     Sujeito e objeto são os elementos desta relação.

     Mas o conhecimento não é uma mera relação, é uma relação dupla, uma correlação (estabelece a relação entre o sujeito e o objeto e estabelece a relação entre o objeto e o sujeito – o sujeito só é sujeito em relação a determinado objeto, o objeto só é objeto em relação a um determinado sujeito).

     Esta correlação é irreversível. O sujeito e o objeto não trocam de funções, não são permutáveis, são opostos, transcendentes um ao outro. O sujeito tem uma função ativa, consciente e intencional, que consiste em apreender o objeto; o objeto tem uma função passiva, consistindo em ser apreendido pelo sujeito.

     Para apreender o objeto, o sujeito sai de si (sai da sua esfera), está fora de si e regressa à sua esfera, regressa a si, com uma imagem ou representação do objeto (que é o objeto enquanto fenómeno).

     Com o conhecimento, o sujeito altera-se, modifica-se, pois integra na sua consciência, a representação do objeto - o sujeito não é, já, o mesmo. No objeto, pelo contrário, nada se modifica. Na sua perspetiva  do objeto, o conhecimento é a transferência das propriedades do objeto, para a consciência do sujeito, enquanto fenómeno ou representação não.





 Francisco Quina (11º D)

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Descartes: Será o Mito Cartesiano outro mito?

Introdução

René Descartes
René Descartes foi um filósofo francês, considerado como o pai da filosofia moderna, muito conhecido pela sua citação "Penso, logo existo.".
 Descartes defendeu várias teorias durante a sua vida, porém, focar-nos-emos neste artigo no seu "Dualismo radical", nas interpretações de outros filósofos, e no conceito de "espírito na máquina" resultante deste ponto de vista.
 Porém, o que é o Dualismo?

Dualismo

 O Dualismo é uma posição filosófica que acredita na separação completa (ou seja, na impossibilidade de uma conexão final e concreta) entre duas substâncias, realidades, etc.
 Descartes acreditava que a alma e o corpo eram duas realidades completamente opostas e irredutíveis. Descartes defende, de um ponto de vista epistemológico, que não podemos confiar nos nossos sentidos, devido a várias razões (como, por exemplo, o facto de sonharmos. Se sonhamos e, quando sonhamos, não sabemos distinguir se o que nos acontece nos sonhos, quer sejam as maiores banalidades, como ler Hegel, ou as coisas mais estranhas e aberrantes, como compreender Hegel, é a realidade ou não, não podemos por isso confiar nos nossos sentidos, nem para uma coisa tão banal como distinguir a realidade da não-realidade.). Descartes é, por isso, um racionalista por excelência. Conseguimos assim ainda mais um ponto a favor do Dualismo: Descartes acredita que a mente e o corpo estão tão separados que nem no nosso corpo e nas sensações dele dependente podemos confiar.

O Mito Cartesiano: Um espírito numa máquina, ou numa glândula pineal?

 O Mito Cartesiano (também chamado de "o espírito numa máquina" ou de "o fantasma numa máquina") foi a descrição dada pelo filósofo britânico Gilbert Ryle do dualismo mente-corpo Cartesiano. Ryle foi um filósofo analítico que se dedicou, como muitos filósofos da mesma corrente, ao estudo da língua e dos processos cognitivos. Ryle nega, no seu livro The Concept of Mind a separação dos estados mentais dos estados físicos, assumindo assim uma posição quasi, se não mesmo, fisicalista.
 O argumento de Ryle é que, se para Descartes o corpo e a mente são duas entidades completamente distintas, e a mente e o corpo têm processos que decorrem em paralelo, onde é o "ponto de encontro" em que a mente informa o corpo, ou vice-versa, do que fazer? Visto não haver nenhuma resposta, que não se baseie na especulação, por parte de Descartes, e de todos os que apoiam este ramo da teoria dualista, Ryle afirma que o Homem teria que se tratar de "um fantasma numa máquina".
 Porém, Descartes "responde", a esta questão, de uma maneira Interaccionista. Descartes afirma, no seu "Meditações sobre a Filosofia Primeira" o seguinte: "Eu estou presente para o meu corpo não meramente na maneira em que um marinheiro está presente para o seu navio mas (...) eu estou fortemente unido e, numa forma de dizer, misturado junto com ele, tanto que eu formo uma só coisa com ele".
Localização da glândula pineal
 Parece por isso, que Descartes já tinha previsto este "mito" séculos antes de ele ser criado. Porém, ainda falta uma parte do mito: o "ponto de encontro".
Para isto, Descartes também apresentou uma solução: a glândula pineal, que ele julgava ser a parte do corpo onde ocorriam as comunicações entre alma e corpo.
 Porém, tal não passava de especulação, por isso, não podemos descartar o Mito Cartesiano ainda, pois Ryle disse claramente que não se poderia aceitar uma resposta baseada em especulação, e não em factos científicos (mais tarde veio-se também a provar que a glândula pineal tem várias funções, nenhuma sendo a comunicação entre a alma e o corpo.)

Lilli Alanen e o seu ensaio em defesa de Descartes

 
 Lilli Alanen é uma filósofa finlandesa com um especial interesse em David Hume e René Descartes. No seu ensaio Reconsidering Descartes's Notion of the Mind-Body Union ela traz à nossa atenção que, enquanto Descartes rejeita completamente os nossos sentidos e a nossa extensão corporal, esta rejeição apenas se aplica a fins epistemológicos. Descartes considera, pelo contrário, que os nossos sentidos "têm um valor cognitivo qua maneiras de pensamento, mas este uso (...) é não-científico."(2).
 Alanen traz também à atenção do leitor que Descartes afirma que a "união corpo-mente, embora não possa ser claramente e de forma distinta concebida por razão pura, é, no entanto, muito claramente percebida pelos sentidos, na experiência diária."(2)
 Seguindo esta cadeia de pensamento, podemos observar que o problema do "fantasma numa máquina" nunca pode ser aceite em debate, pois origina-se numa leitura muito estrita de Descartes, em que aplicamos conceitos epistemológicos à natureza do Homem, um salto extremamente grande. 

Conclusão

 Por isso, podemos concluir através da leitura de Alanen, que se pode afirmar que o Mito de Descartes não passa de outro mito, e que se originou em más e incompletas leituras e más interpretações deste filósofo francês.
 O debate sobre Descartes mantém-se, tanto neste tópico, como noutros, tal como a interpretação de que Descartes defendia o Interaccionismo, por exemplo. Porém, parece-me a mim, que Lilli Alanen, mesmo nesta forma extremamente sucinta, resumida, e "facilitada" do seu ensaio, possa ter posto um ponto neste assunto, que, mais tarde, talvez se torne mais uma das inúmeras vírgulas na filosofia.



Bibliografia
http://people.tamu.edu/~sdaniel/682%20Readings/alanen%20mind%20body.pdf
http://drupal-multisite-s3.s3-us-west-2.amazonaws.com/files/11-02-rene-descartes-the-history-channel-2.jpg
http://www.iep.utm.edu/dualism/#H3


Notas:
(1) O texto retirado da fonte, é o seguinte: "I am present to my body not merely in the way a seaman is present to his ship, but . . . I am tightly joined and, so to speak, mingled together with it, so much so that I make up one single thing with it" 
(2)Retirado e traduzido por mim do ensaio Reconsidering Descarte's Notion of the Mind-Body Union, Lilli Alanen, P.6, disponível aqui.

domingo, 19 de fevereiro de 2017

Estoicismo: As suas aplicações para o bem-estar diário

Zenão de Cítio

 Introdução

 O Estoicismo foi uma corrente filosófica grega e romana, que influenciou vários campos filosóficos, incluindo a lógica e a ética. No presente artigo, o nosso foco será a ética destes filósofos e a sua aplicação no dia-a-dia. Mas, primeiro, iremos focar-nos na história dos estóicos.

Breve História

 Os estóicos foram os membros de uma corrente filosófica denominada «Estoicismo» (NOTA 1). O Estoicismo foi fundado por Zenão de Cítio (333 a.C. - 263 a.C.), e manteve-se presente na Grécia e, mais tarde, no Império Romano, até ao século III, onde começou a perder popularidade, até ao ano 529, em que se viu o fim absoluto do Estoicismo, pois o Imperador Justiniano mandou fechar todas as escolas de filosofia pagã, por não estarem de acordo com os ideais cristãos. 
 Durante a sua "vida", o Estoicismo teve uma corrente filosófica rival, o Epicurismo, que sofreu o mesmo destino que o seu  principal oponente, a queda no esquecimento e a substituição por ideais cristãos.

 O Estoicismo teve três diferentes fases:
  1. Estoicismo Antigo (de onde, infelizmente, poucos textos nos chegaram);
  2. Estoicismo Médio;
  3. Novo Estoicismo.
 Destacam-se os seguintes estóicos:
  • Zenão de Cítio - Fundador do Estoicismo;
  • Marco Aurélio - Imperador Romano que escreveu um diário em que descreve os ideais estóicos e como ele próprio os aplica;
  • Séneca - Tutor e conselheiro do Imperador Nero. Morreu por suicídio, cometido por ordens de Nero;
  • Epicteto - Escravo do secretário de Nero. Escreveu duas obras, ambas sobre o tema de como viver uma vida feliz: O Manual de Epicteto e Discursos.
  Todos os autores acima, com a exceção de Zenão de Cítio, pertencem ao Novo Estoicismo.

O Sábio Estóico

 O Estoicismo é uma teoria Eudemonista (do grego "eudamonía") ou seja, é uma teoria que se baseia na busca de uma vida plenamente feliz. A solução estóica promove uma vida inspirada nos elementos práticos da virtude, como o desapego dos bens materiais, a aceitação e resignação, até chegar ao estado de sábio.
 Mas, afinal, o que caracteriza um sábio, segundo os estóicos?
 Um sábio é alguém que nunca está infeliz.

 Bem, ficámos mais ou menos na mesma. Vamos aprofundar esta questão então.

 A infelicidade, para os estóicos, é um estado causado pela má preparação para a eventualidade de algo acontecer. Um verdadeiro sábio está sempre preparado e nunca é apanhado desprevenido.

Vejamos um exemplo:
 Imaginemos um jogo de futebol, em que a nossa equipa, chamemos-lhe x, irá defrontar a equipa rival, y.
 Um adepto de x que vá ver o jogo e só esteja preparado para a vitória da sua equipa, no caso de derrota, irá sair transtornado.
 Pelo contrário, um adepto de x, armado com a sabedoria estóica, irá já preparado para todas as eventualidades, quer seja uma vitória, um empate, ou mesmo uma derrota. Ou seja, os estóicos argumentam que a infelicidade é originada pela má preparação mental para a ocorrência de determinado evento.
 Um exemplo real é dado nas Meditações do Imperador Marco Aurélio, em que ele proclama que todos os dias, ao levantar-se da sua cama, ele evoca para si próprio uma "meditação", em que se prepara para tudo nesse dia, seja um ataque surpresa de bárbaros, um ataque à sua própria pessoa, etc.
Marco Aurélio
 A meditação é a seguinte: 
 "Quando acordares de manhã, diz a ti mesmo: as pessoas com quem eu lidarei hoje serão coscuvilheiras, ingratas, arrogantes, desonestas, invejosas e grosseiras. Elas são assim porque não conseguem distinguir o bem do mal. Mas eu vi a beleza do bem, e a hediondez do mal, e reconheci que o criminoso tem uma natureza relacionada à minha própria - não do mesmo sangue e nascimento, mas da mesma mente, e de possuir uma parte do divino. E por isso nenhum deles me pode magoar. Ninguém me pode implicar na hediondez. Nem posso eu sentir fúria ao meu semelhante, ou odiá-lo. Nós nascemos para trabalhar juntos como pés, mãos e olhos, como as duas filas de dentes, de cima e de baixo. Obstruir um ao outro não é natural. Sentir fúria com alguém, virar-lhe as costas: estes não são naturais."  (NOTA 2).

Os estóicos defendiam também que só nos devíamos preocupar com o que está no nosso controlo. Por isso, podemos definir dois diferentes grupos de ações que devemos ignorar, através de diferentes pontos de vista:  
  •  As ações da natureza, que não podem ser controladas por nenhum ser humano, e são vistas como a obra dos deuses;

  • As ações dos que te rodeiam.
 Porém, antes de prosseguirmos, temos que compreender a definição de "Natureza" estóica.
 A natureza, segundo os estóicos, é uma série de eventos pré-determinados por Zeus, o deus impessoal. Ou seja, a natureza é determinista. 
Os estóicos propunham que, visto que não havia forma nenhuma de controlar as ira dos deuses, era absolutamente inútil ficar zangado, triste, revoltado, etc., com algo desta natureza. Por exemplo, a erupção de um vulcão destrói a aldeia em que tu vives; tal decorre de uma intervenção divina, ou seja, de algo que está fora do teu controlo. Se está fora do teu controlo, tens que viver de acordo com a natureza, e não há absolutamente razão nenhuma para demonstrar qualquer emoção.

Quanto às ações de outros homens, os estóicos defendiam que a infelicidade provinha da forma como se interpreta o mundo à nossa volta. Ou seja, nós somos, no final, quem manda (ou pelo menos deve) nas nossas emoções. Para além disso, como já vimos anteriormente, o verdadeiro sábio já previu a possibilidade da ação daquele homem ocorrer, logo, já estava mentalmente preparado para evitar o sofrimento proveniente daquela ação.
 Por isso, os estóicos colocam tudo nas mãos do indivíduo; podemos afirmar que o estoicismo é uma filosofia individualista (NOTA 3). Os Deuses "lá em cima" podem criar todas as desgraças, mas um verdadeiro sábio está preparado mentalmente, e vivendo a sua vida com o mínimo, vivê-la-á ao máximo.
 Na mesma linha de pensamento, no caso de algo poder correr mal, os estóicos ofereciam uma simples solução para qualquer problema, que se relaciona com os métodos já expostos acima: pensar sempre que algo irá correr mal (ou seja, prever o que pode correr mal) e, se tal ocorrer, pensar que existe sempre uma saída. E, no caso de não haver uma saída, existe sempre o suicídio.

Viver de Acordo com a Natureza

 Os estóicos definem a natureza de duas maneiras:
  1. O Universo e o seu Determinismo, causado por Zeus;
  2. O ciclo da vida dos seres.
 "Viver de acordo com a natureza" significa por isso, não só aceitar o Determinismo Universal, como também seguir o caminho que vai de acordo com a nossa própria natureza. Ou seja, os homens não são nem os mais fortes, nem podem voar, nem nadam mais rapidamente, nem sequer são mais fortes que todos os outros seres vivos. Mas, os homens têm algo que os outros seres vivos não têm: a capacidade de raciocinar. Por isso, "viver de acordo com a natureza" significa também utilizar as nossas capacidades racionais no seu pleno.
 Para vivermos de acordo com a natureza, no entanto, temos que saber realizar atos bons. Os estóicos dividiram os atos em:
  • Bons;
  • Maus;
  • Indiferentes.
 Sendo que os atos indiferentes estão divididos em:
  • Preferidos;
  • Não preferidos;
  • Absolutos.
 Os indiferentes preferidos distinguem-se dos não preferidos por estarem de acordo com a natureza. 
 A Virtude, segundo estes filósofos, corresponde aos atos bons (próprios do sábio) e está dividida em quatro partes: sabedoria, justiça, coragem e moderação, sendo que estas categorias têm, ainda, subcategorias. Segundo eles, possuir uma destas partes significa que automaticamente as temos todas presentes em nós.

O sábio estóico é, portanto, o homem livre - é pela libertação das emoções e dos impulsos, que o homem assume uma racionalidade e um autocontrolo mental que lhe permite viver de forma serena, austera, recolhida, em suma, encontrar a vida feliz.

Conclusão

 Depois da leitura deste artigo, podemos observar que ainda temos muito que aprender com os gregos. Quem diria que, há tantos séculos atrás, pensadores gregos criavam uma filosofia que punha todo o poder nas nossas mãos, e, apesar das regras rigorosas apresentadas, nos daria maior liberdade? Afinal, o possível impacto que esta corrente filosófica tem nas vidas correntes é enorme! Saber que se pode viver uma vida feliz, apesar do mundo à nossa volta tentar dizer que não, é um enorme alívio. E, numa sociedade em que cada vez mais se registam fenómenos como baixa autoestima, ansiedade, depressão, etc., acho que seria uma boa solução temporária aprendermos com os estóicos. Quer seja a atuar de uma maneira em que se aja de acordo com a natureza, ou simplesmente aprendendo a aceitar o que não controlamos, digo, com grande convicção, que praticamente todos os leitores podiam aprender um pouco com os estóicos.

Rafael Moura

NOTA 1 - Esta designação (Esticismo) deriva do lugar de Atenas onde os primeiros estóicos davam as suas lições e faziam os seus discursos: Stoa poikilé, o pórtico ornado com pinturas de Polignoto). 

NOTA 2 - (Deixo abaixo a citação em inglês, que eu traduzi. Esta citação foi obtida do seguinte link, acedido no dia 19-02-2017: http://www.goodreads.com/quotes/497005-when-you-wake-up-in-the-morning-tell-yourself-the)
When you wake up in the morning, tell yourself: the people I deal with today will be meddling, ungrateful, arrogant, dishonest, jealous and surly. They are like this because they can't tell good from evil. But I have seen the beauty of good, and the ugliness of evil, and have recognized that the wrongdoer has a nature related to my own - not of the same blood and birth, but the same mind, and possessing a share of the divine. And so none of them can hurt me. No one can implicate me in ugliness. Nor can I feel angry at my relative, or hate him. We were born to work together like feet, hands and eyes, like the two rows of teeth, upper and lower. To obstruct each other is unnatural. To feel anger at someone, to turn your back on him: these are unnatural.

NOTA 3 - O individualismo encontra-se, muitas vezes, associado aos períodos de crise; precisamente, as origens históricas do Estoicismo situam-se no período de declínio da civilização grega.

Bibliografia

Ambos acedidos a 19-02-17 

"eudemonista", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http

sábado, 18 de fevereiro de 2017

Dimensão dualista na Filosofia de Platão



Platão, na sua Teoria das Formas e das Ideias, apresenta uma solução dualista.
Dualista no plano ontológico, no sentido em que divide a realidade em dois níveis: a realidade/mundo sensível, que corresponde ao mundo das aparências, da ilusão, em que tudo é captado pelos sentidos, o que origina cópias imperfeitas; e a realidade/mundo inteligível que corresponde ao ser em si mesmo, objeto real do conhecimento verdadeiro, ao qual o homem só pode ascender através da razão.
Portanto, a Teria das Ideias envolve também um dualismo no plano gnosiológico, no sentido em que existem dois níveis de “conhecimento”: a doxa que corresponde às opiniões, que são subjetivas e relativas, logo não permitem alcançar a verdade absoluta, e a episteme que está associada à ciência e à razão, visando o alcance da verdade absoluta, ou seja,  do verdadeiro conhecimento.


N' A Alegoria da Caverna o mundo sensível é o interior da caverna, onde vivem os prisioneiros, imersos na ignorância, tomando as sombras por realidades.


O Mundo Inteligível, das Formas ou Ideias, corresponde ao exterior da caverna e é banhado pelo sol, que corresponde à Ideia de Bem - aquela de dá sentido a toda a realidade em si.
                                                                Andreia Ferreira; 11ºD

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Teeteto e a teoria clássica do conhecimento


Na sua obra Teeteto, Platão expõe a sua conceção no que concerne ao conhecimento, afirmando que o conhecimento deverá verificar três condições: a de crença, a de verdade e a de justificação.
Deste modo, para Platão, o conhecimento é “crença justificada acompanhada de razão”, isto é, é crença verdadeira justificada.
Assim, o conhecimento terá que verificar três condições, sendo que todas elas são condições necessárias (se uma não se verificar, não é conhecimento) e nenhuma é, só por si, condição suficiente (não basta que uma se verifique para que haja conhecimento).

A primeira condição é a de crença: terá de ser verdadeira para o sujeito, isto é, o sujeito terá de acreditar no “juízo” em questão.
A segunda condição, a de verdade, defende que o conhecimento tem de ser efetivamente verdadeiro e comprovável lógica e/ou empiricamente, isto é, terá de ser absoluto e universal.
Por último, o conhecimento deverá ser justificável, quer o seja a priori, quer a posteriori, isto é, deverá apresentar uma justificação puramente racional ou empírica, respetivamente.
A teoria de Platão, exposta no Teeteto, é também denominada teoria tripartida, pois assenta em três condições necessárias, mas individualmente insuficientes: a crença, a verdade e a justificação. Deste modo, “a crença verdadeira [justificada] é conhecimento”.
- A. Neves

Politiquices - Viva ao autoproclamado Principado da Pontinha!

 No final do passado mês de janeiro, o deputado madeirense do PTP (Partido Trabalhista Português) José Manuel Coelho foi condenado a um ano de prisão efetiva pelo Tribunal da Relação de Lisboa por práticas de difamação, neste caso, ao antigo dirigente do PCTP/MRPP, António Garcia Pereira, acusando-o de ser "agente da CIA" e de "fazer processos aos democratas da Madeira" a pedido do então Presidente Regional da Madeira, Alberto João Jardim

 Por mim, o senhor deputado devia era levar um ano extra de prisão por ter queimado a mim (e a outros leitores inocentes) as retinas dos olhos que vislumbraram este indivíduo apenas de cuecas em março de 2016, altura em que protestava pelos seus vencimentos terem sido penhorados durante uma sessão de trabalhos do plenário da Assembleia da Madeira. Deixo aqui uma imagem que vos recordará do acontecimento:

José Tranquada Gomes (presidente da Assembleia da Madeira), 
possivelmente a desejar não ter comparecido ao trabalho.

 Continuando, os acontecimentos relatados em primeiro lugar neste post não ficaram por aqui. O senhor José Manuel Coelho, habituado a revoltar-se com a tirania da sociedade "corrupta, social-democrata!", decidiu pedir asilo político no passado dia 6 de fevereiro a um estado que autoproclama como independente. Estamos a falar, claro, do Principado da Pontinha, ilhéu não reconhecido pela ONU, mas "reconhecido pelas várias instâncias internacionais" (de acordo com José Manuel Coelho, pelo menos) e digno o suficiente para ter uma entrada na Wikipédia (deixarei um link no final desta publicação que vos redirecionará a esta menção). 

Para os nossos leitores que apreciam Geografia, apresento
a localização geográfica do Principado.

 E, se por esta altura, o leitor (ou a leitora, por favor não me bata Catarina Martins) não considera esta história digna de um senhor semi-chalupa (como diria Ricardo Araújo Pereira, para efeitos judiciais) como o deputado José Manuel Coelho, continue a ler, pois ainda há mais.

 De acordo com a página da Wikipédia, o Principado da Pontinha é essencialmente... uma rocha. Encontra-se a 70 metros do Funchal, e tem como forma de Governo uma monarquia constitucional liderada pelo príncipe D. Renato Barros II "O Justo" (ou "O Demente", como o leitor preferir), um utilizador ávido de uma capa dourada retirada de uma loja de "fantasias" (oh, the irony!), que revela a preocupação do príncipe em arranjar um fato de Carnaval antes que esgotassem para poder ir a Torres Vedras bem vestido. Fundada há 10 anos, esta micronação é habitada por 1 indivíduo (uma estimativa apenas para 2017, sabendo que o próprio príncipe não reside no território, talvez porque alaga frequentemente com a maré cheia), tem um hino nacional, bandeira, brasão, e outras traquitanas, enfim, é a micronação não reconhecida pela ONU mais completa que conheço até à data (sendo esta a única).

Calma, o D. Renato tem direito a um guarda-costas?
...E já agora, poderiam abotoar a camisa do senhor deputado? 

 Regressando agora a José Manuel Coelho, se tudo correr de acordo com os seus planos, tendo a proteção do "Príncipe Chalupa", o estado português não poderá enviar as suas forças militares para retornar o asilado. Isto é, se não quiser entrar em guerra com uma nação composta por 0 (reitero, ZERO) militares. Se John Lennon fosse vivo, provavelmente seria o cidadão número 3 do Principado, nem que tivesse de dormir no chão rochoso e ao relento.

Retirado da reportagem da TVI, podemos constatar algo surreal...
o asilado José Manuel Coelho a usar uma camisa abotoada.


 Mas enfim, o que interessa realmente no fim disto tudo, é satirizar o que nos rodeia.


P.S.: Como prometido, fica aqui a página da Wikipédia do Principado da Pontinha, assim como o pedido de asilo político de José Manuel Coelho e a crítica de Ricardo Araújo Pereira que inspirou a escrita deste post: