domingo, 19 de fevereiro de 2017

Estoicismo: As suas aplicações para o bem-estar diário

Zenão de Cítio

 Introdução

 O Estoicismo foi uma corrente filosófica grega e romana, que influenciou vários campos filosóficos, incluindo a lógica e a ética. No presente artigo, o nosso foco será a ética destes filósofos e a sua aplicação no dia-a-dia. Mas, primeiro, iremos focar-nos na história dos estóicos.

Breve História

 Os estóicos foram os membros de uma corrente filosófica denominada «Estoicismo» (NOTA 1). O Estoicismo foi fundado por Zenão de Cítio (333 a.C. - 263 a.C.), e manteve-se presente na Grécia e, mais tarde, no Império Romano, até ao século III, onde começou a perder popularidade, até ao ano 529, em que se viu o fim absoluto do Estoicismo, pois o Imperador Justiniano mandou fechar todas as escolas de filosofia pagã, por não estarem de acordo com os ideais cristãos. 
 Durante a sua "vida", o Estoicismo teve uma corrente filosófica rival, o Epicurismo, que sofreu o mesmo destino que o seu  principal oponente, a queda no esquecimento e a substituição por ideais cristãos.

 O Estoicismo teve três diferentes fases:
  1. Estoicismo Antigo (de onde, infelizmente, poucos textos nos chegaram);
  2. Estoicismo Médio;
  3. Novo Estoicismo.
 Destacam-se os seguintes estóicos:
  • Zenão de Cítio - Fundador do Estoicismo;
  • Marco Aurélio - Imperador Romano que escreveu um diário em que descreve os ideais estóicos e como ele próprio os aplica;
  • Séneca - Tutor e conselheiro do Imperador Nero. Morreu por suicídio, cometido por ordens de Nero;
  • Epicteto - Escravo do secretário de Nero. Escreveu duas obras, ambas sobre o tema de como viver uma vida feliz: O Manual de Epicteto e Discursos.
  Todos os autores acima, com a exceção de Zenão de Cítio, pertencem ao Novo Estoicismo.

O Sábio Estóico

 O Estoicismo é uma teoria Eudemonista (do grego "eudamonía") ou seja, é uma teoria que se baseia na busca de uma vida plenamente feliz. A solução estóica promove uma vida inspirada nos elementos práticos da virtude, como o desapego dos bens materiais, a aceitação e resignação, até chegar ao estado de sábio.
 Mas, afinal, o que caracteriza um sábio, segundo os estóicos?
 Um sábio é alguém que nunca está infeliz.

 Bem, ficámos mais ou menos na mesma. Vamos aprofundar esta questão então.

 A infelicidade, para os estóicos, é um estado causado pela má preparação para a eventualidade de algo acontecer. Um verdadeiro sábio está sempre preparado e nunca é apanhado desprevenido.

Vejamos um exemplo:
 Imaginemos um jogo de futebol, em que a nossa equipa, chamemos-lhe x, irá defrontar a equipa rival, y.
 Um adepto de x que vá ver o jogo e só esteja preparado para a vitória da sua equipa, no caso de derrota, irá sair transtornado.
 Pelo contrário, um adepto de x, armado com a sabedoria estóica, irá já preparado para todas as eventualidades, quer seja uma vitória, um empate, ou mesmo uma derrota. Ou seja, os estóicos argumentam que a infelicidade é originada pela má preparação mental para a ocorrência de determinado evento.
 Um exemplo real é dado nas Meditações do Imperador Marco Aurélio, em que ele proclama que todos os dias, ao levantar-se da sua cama, ele evoca para si próprio uma "meditação", em que se prepara para tudo nesse dia, seja um ataque surpresa de bárbaros, um ataque à sua própria pessoa, etc.
Marco Aurélio
 A meditação é a seguinte: 
 "Quando acordares de manhã, diz a ti mesmo: as pessoas com quem eu lidarei hoje serão coscuvilheiras, ingratas, arrogantes, desonestas, invejosas e grosseiras. Elas são assim porque não conseguem distinguir o bem do mal. Mas eu vi a beleza do bem, e a hediondez do mal, e reconheci que o criminoso tem uma natureza relacionada à minha própria - não do mesmo sangue e nascimento, mas da mesma mente, e de possuir uma parte do divino. E por isso nenhum deles me pode magoar. Ninguém me pode implicar na hediondez. Nem posso eu sentir fúria ao meu semelhante, ou odiá-lo. Nós nascemos para trabalhar juntos como pés, mãos e olhos, como as duas filas de dentes, de cima e de baixo. Obstruir um ao outro não é natural. Sentir fúria com alguém, virar-lhe as costas: estes não são naturais."  (NOTA 2).

Os estóicos defendiam também que só nos devíamos preocupar com o que está no nosso controlo. Por isso, podemos definir dois diferentes grupos de ações que devemos ignorar, através de diferentes pontos de vista:  
  •  As ações da natureza, que não podem ser controladas por nenhum ser humano, e são vistas como a obra dos deuses;

  • As ações dos que te rodeiam.
 Porém, antes de prosseguirmos, temos que compreender a definição de "Natureza" estóica.
 A natureza, segundo os estóicos, é uma série de eventos pré-determinados por Zeus, o deus impessoal. Ou seja, a natureza é determinista. 
Os estóicos propunham que, visto que não havia forma nenhuma de controlar as ira dos deuses, era absolutamente inútil ficar zangado, triste, revoltado, etc., com algo desta natureza. Por exemplo, a erupção de um vulcão destrói a aldeia em que tu vives; tal decorre de uma intervenção divina, ou seja, de algo que está fora do teu controlo. Se está fora do teu controlo, tens que viver de acordo com a natureza, e não há absolutamente razão nenhuma para demonstrar qualquer emoção.

Quanto às ações de outros homens, os estóicos defendiam que a infelicidade provinha da forma como se interpreta o mundo à nossa volta. Ou seja, nós somos, no final, quem manda (ou pelo menos deve) nas nossas emoções. Para além disso, como já vimos anteriormente, o verdadeiro sábio já previu a possibilidade da ação daquele homem ocorrer, logo, já estava mentalmente preparado para evitar o sofrimento proveniente daquela ação.
 Por isso, os estóicos colocam tudo nas mãos do indivíduo; podemos afirmar que o estoicismo é uma filosofia individualista (NOTA 3). Os Deuses "lá em cima" podem criar todas as desgraças, mas um verdadeiro sábio está preparado mentalmente, e vivendo a sua vida com o mínimo, vivê-la-á ao máximo.
 Na mesma linha de pensamento, no caso de algo poder correr mal, os estóicos ofereciam uma simples solução para qualquer problema, que se relaciona com os métodos já expostos acima: pensar sempre que algo irá correr mal (ou seja, prever o que pode correr mal) e, se tal ocorrer, pensar que existe sempre uma saída. E, no caso de não haver uma saída, existe sempre o suicídio.

Viver de Acordo com a Natureza

 Os estóicos definem a natureza de duas maneiras:
  1. O Universo e o seu Determinismo, causado por Zeus;
  2. O ciclo da vida dos seres.
 "Viver de acordo com a natureza" significa por isso, não só aceitar o Determinismo Universal, como também seguir o caminho que vai de acordo com a nossa própria natureza. Ou seja, os homens não são nem os mais fortes, nem podem voar, nem nadam mais rapidamente, nem sequer são mais fortes que todos os outros seres vivos. Mas, os homens têm algo que os outros seres vivos não têm: a capacidade de raciocinar. Por isso, "viver de acordo com a natureza" significa também utilizar as nossas capacidades racionais no seu pleno.
 Para vivermos de acordo com a natureza, no entanto, temos que saber realizar atos bons. Os estóicos dividiram os atos em:
  • Bons;
  • Maus;
  • Indiferentes.
 Sendo que os atos indiferentes estão divididos em:
  • Preferidos;
  • Não preferidos;
  • Absolutos.
 Os indiferentes preferidos distinguem-se dos não preferidos por estarem de acordo com a natureza. 
 A Virtude, segundo estes filósofos, corresponde aos atos bons (próprios do sábio) e está dividida em quatro partes: sabedoria, justiça, coragem e moderação, sendo que estas categorias têm, ainda, subcategorias. Segundo eles, possuir uma destas partes significa que automaticamente as temos todas presentes em nós.

O sábio estóico é, portanto, o homem livre - é pela libertação das emoções e dos impulsos, que o homem assume uma racionalidade e um autocontrolo mental que lhe permite viver de forma serena, austera, recolhida, em suma, encontrar a vida feliz.

Conclusão

 Depois da leitura deste artigo, podemos observar que ainda temos muito que aprender com os gregos. Quem diria que, há tantos séculos atrás, pensadores gregos criavam uma filosofia que punha todo o poder nas nossas mãos, e, apesar das regras rigorosas apresentadas, nos daria maior liberdade? Afinal, o possível impacto que esta corrente filosófica tem nas vidas correntes é enorme! Saber que se pode viver uma vida feliz, apesar do mundo à nossa volta tentar dizer que não, é um enorme alívio. E, numa sociedade em que cada vez mais se registam fenómenos como baixa autoestima, ansiedade, depressão, etc., acho que seria uma boa solução temporária aprendermos com os estóicos. Quer seja a atuar de uma maneira em que se aja de acordo com a natureza, ou simplesmente aprendendo a aceitar o que não controlamos, digo, com grande convicção, que praticamente todos os leitores podiam aprender um pouco com os estóicos.

Rafael Moura

NOTA 1 - Esta designação (Esticismo) deriva do lugar de Atenas onde os primeiros estóicos davam as suas lições e faziam os seus discursos: Stoa poikilé, o pórtico ornado com pinturas de Polignoto). 

NOTA 2 - (Deixo abaixo a citação em inglês, que eu traduzi. Esta citação foi obtida do seguinte link, acedido no dia 19-02-2017: http://www.goodreads.com/quotes/497005-when-you-wake-up-in-the-morning-tell-yourself-the)
When you wake up in the morning, tell yourself: the people I deal with today will be meddling, ungrateful, arrogant, dishonest, jealous and surly. They are like this because they can't tell good from evil. But I have seen the beauty of good, and the ugliness of evil, and have recognized that the wrongdoer has a nature related to my own - not of the same blood and birth, but the same mind, and possessing a share of the divine. And so none of them can hurt me. No one can implicate me in ugliness. Nor can I feel angry at my relative, or hate him. We were born to work together like feet, hands and eyes, like the two rows of teeth, upper and lower. To obstruct each other is unnatural. To feel anger at someone, to turn your back on him: these are unnatural.

NOTA 3 - O individualismo encontra-se, muitas vezes, associado aos períodos de crise; precisamente, as origens históricas do Estoicismo situam-se no período de declínio da civilização grega.

Bibliografia

Ambos acedidos a 19-02-17 

"eudemonista", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http

2 comentários:

  1. Bons conselhos para uma vida feliz, Moura...!

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  2. Muito Bom, Rafael Moura. Siga a sua natureza e daqui a uns anos ouviremos falar de si. Acho mesmo que este é o seu caminho.

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