David
Hume nasceu em Edimburgo, em 1711[1].
Estudou Direito, mas dedicou-se à Filosofia, à História e Diplomacia; chegou a
ser subsecretário de Estado.
Levou
o Empirismo Inglês ao seu estádio de
maior radicalidade. Rejeitou as Ideias
Inatas e defendeu uma perspetiva profundamente cética. Proclamou que não conhecemos mais dos que as nossas
próprias Impressões e Ideias.
Disse
que a Política e a Ética não se sustentam em princípios racionais, mas na utilidade comum e no sentimento de simpatia, através do qual
somos capazes de nos colocarmos no lugar dos outros.
Fernando
Savater:
Vamos hoje falar de um filósofo representativo de um
século que é, talvez, um dos séculos mais extraordinários, do ponto de vista
intelectual, de toda a grande aventura humana. O século XVIII, século do
Iluminismo, o chamado século das Luzes. Normalmente, quando falamos deste
século, centramo-nos em França: no Enciclopedismo (francês), em Voltaire,
Rousseau, etc. Mas, quem sabe, a figura individual mais notável, mais destacada
deste século tão extraordinário, terá sido um filósofo escocês, nascido em
Edimburgo – localidade muito mais pequena do que Paris, mas que teve um grupo
extraordinário de pensadores com grande importância no século XVIII. E o mais
importante deles, foi David Hume.
Hume não partiu da Filosofia; chegou à Filosofia. Foi
formado em Direito e foi também um extraordinário historiador[2]
e finalmente um grande filósofo.
Já John Locke havia insistido que não nos podemos
fundamentar em nada de inato – ideias, fundamentos – mas que, pelo contrário,
todas as ideias que temos, recebemo-las do mundo [exterior ao sujeito]. Este Empirismo (dizer que o que conta
como fonte do conhecimento é a empiria,
a experiência) é
absolutamente radical em David Hume.
Para David Hume são as impressões que recebemos do mundo
[através da experiência] que são as únicas fontes do conhecimento. Deste
empirismo radical nasce a obra deste filósofo sagaz, prudente e audaz nas suas
posições intelectuais – tanto que nem sempre podia afirmar claramente tudo o
que pensava sobre diversos assuntos, pois chocava as crenças estabelecidas na
época.
David
Hume nasceu na Escócia, de uma família não muito rica, mas pertencente à
nobreza. Ficou órfão de pai aos dois anos e foi criado por sua mãe, juntamente
com suas irmãs e seu irmão mais velho que, de acordo com os costumes da época,
herdou as terras da família. David foi, assim, destinado à carreira «das Leis»,
mas os seus verdadeiros interesses eram literários; desde pequeno que se
dedicou a ler os grandes autores gregos e romanos. Obtido o seu título de
advogado logo começou a exercer esta profissão, em Bristol. Porém, pouco tempo
depois decidiu viver do que escrevia e viajou até França, onde passou a viver
em 1732. Instalou-se em La Fléche, em cujo colégio jesuíta havia estudado René
Descartes.
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As Ideias são, então, representações mentais. De modo que, a partir das
Impressões se constituem as Ideias Simples e, a partir de associação
de Ideias Simples, formamos as Ideias Compostas ou Complexas. Todas
as Impressões e Ideias geram em nós a convicção de que realmente existem os objetos externos que as provocam. Mas, na
realidade, do que posso estar de facto seguro, é de que tenho uma sensação ou
Impressão e que isso gera a crença de que existe realmente uma
realidade exterior [o Mundo].
Não obstante, o objeto que conheço não é exterior a mim, mas está, sim,
na minha consciência[3], pois
consiste somente num conjunto de Impressões e Ideias. Se eu afirmo que as
minhas Impressões e Ideias correspondem a um objeto real, faço-o por um ato de crença.
Hume afirma que nos iludimos, que criamos certas Ideias às quais não
correspondem Impressões, como:
- a ideia de causa-efeito [causalidade];
- a ideia de espaço e tempo;
- a ideia de substância.
Todas estas ideias são fundamentais para a Ciência; ainda que sejam
ilusórias, a Ciência apoia-se nestas ideias básicas. Sobre elas construímos o mundo
do conhecimento, ainda que não haja Impressões que lhes deem a validade
objetiva que parecem ter, certamente há que reconhecer que o homem não pode
viver fora de uma certa crença instintiva na realidade – mas, no fundo, o que
entendemos por realidade, reduz-se a um certo número de Impressões.
(...)
David Hume, que foi uma das mentes racionais mais poderosas da sua época
concede, na sua Filosofia, grande importância ao que não é estritamente
racional: as emoções, a simpatia, os movimentos anímicos são fundamentais para
a vida e para a sociedade humana. É interessante verificar que, perante a
imagem estereotipada de que as grandes inteligências sempre são ‘frias’, há
evidências de que alguns dos maiores talentos racionais da história da
humanidade, compreenderam a importância da dimensão do ‘irracional’ na vida
humana. E a ideia de Hume é que tudo é, por nós, recebido do mundo que nos
rodeia, e que recebemos tudo por meio das nossas capacidades: dos sentidos, que
são as ‘janelas’ que, em nós, se abrem para o mundo. Tudo o que não podemos
comprovar, o que não podemos verificar [pela experiência], realmente não
podemos dizer que exista.
Entretanto podemos fazer a ‘introspeção’ de que falava Descartes:
busquemos o subjetivo, busquemos a certeza [a verdade absoluta]. Ora, Hume
mostra-se descrente e crítico desta posição cartesiana, do Eu penso, logo existo. Descrê dessa certeza: portanto, pensas; mas
porque existes? Porque é que tem de existir um sujeito (um eu) nesse pensar?
Não poderia ser um pensamento sem sujeito [substancial]? Quando digo «chove
descrevo que algo ocorre, mas não é necessário, a partir daqui, um sujeito da
chuva – que algo chove, um sujeito do ato de chover.
Não. Para Hume não podemos pensar algo como um «eu», um núcleo fixo e
estável NO QUAL AS NOSSAS Impressões são ‘depositadas’; somente posemos afirmar
que temos Impressões, que temos pensamentos, que temos sentimentos. O ‘eu’ é
uma construção que fazemos para suportar todas as Impressões, mas não é algo a
que possamos chegar através dos sentidos.
Até este ponto radical, ao mais radical que pode chegar o ceticismo – o
questionamento do ‘eu’ –, chega o ceticismo de Hume
A
causalidade, a substância e o eu, segundo David Hume, são somente crenças, pois
que, de facto, jamais temos experiência delas. Se me atenho somente à
experiência, devo dizer que o ‘eu’ me aparece como uma amálgama de sensações,
como um puro fluir de atos de consciência e não como um eu substancial. A ideia
de substância, por seu turno, dissolve-se num conjunto de sensações que nós
agrupamos espácio-temporalmente; e quanto à causalidade, é considerada como uma
conexão necessária entre dois ou mais fenómenos: O fenómeno antecedente é
chamado ‘causa’ e o fenómeno consequente é chamado ‘efeito’. Ao falarmos de
conexão necessária, isto implica que à causa se segue inevitavelmente[4] o
efeito.
Se
considerarmos o que ocorre quando uma bola de bilhar toca noutra após uma
tacada, observamos um movimento em que a 1º bola toca na 2ª, e esta
movimenta-se e toca na 3ª. Consideramos tratar-se de um movimento causa-efeito,
mas não temos a experiência desta relação[5] .
Somente podemos afirmar a sucessão temporal e a continuidade espacial. Mas a
causalidade, não: é apenas uma crença
fundada no hábito.
Este
problema da causalidade está imediatamente ligado ao da indução:
Se
observarmos 1 cisne branco… 10 cisnes brancos… 1000 cisnes brancos…
Não
podemos daí concluir que todos os cisnes são brancos. De modo que a indução é
um método que tem um gravíssimo problema, no que diz respeito à sua
fundamentação: toda a tentativa de codificação da indução parte do princípio de
regularidade da natureza, que não é um princípio derivado da experiência mas,
ele próprio, uma inferência indutiva.
Esta
análise de Hume desemboca no ceticismo radical: todo o conhecimento científico
se apoia, segundo ele, em meras crenças. As únicas certezas que me são
permitidas são, por um lado, as que derivam da descrição das minhas Impressões
e das suas relações com as minhas Ideias e, por outro, as que se manifestam nas
relações quantitativas das matemáticas.
[2] Escreveu uma obra de grande dimensão e qualidade, em 8 volumes: História de Inglaterra. Durante parte do
século XIX foi mais conhecido como historiador do que como filósofo, embora o
seu contributo para o desenvolvimento do pensamento filosófico, nomeadamente ao
nível da Epistemologia, seja incontornável. Kant referir-se-lhe-à como a um Mestre,
dizendo que foi a leitura das suas obras filosóficas que lhe permitiu acordar do sono dogmático e elaborar a
sua filosofia crítica. (nota da docente de Filosofia)
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