terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Descartes: Será o Mito Cartesiano outro mito?

Introdução

René Descartes
René Descartes foi um filósofo francês, considerado como o pai da filosofia moderna, muito conhecido pela sua citação "Penso, logo existo.".
 Descartes defendeu várias teorias durante a sua vida, porém, focar-nos-emos neste artigo no seu "Dualismo radical", nas interpretações de outros filósofos, e no conceito de "espírito na máquina" resultante deste ponto de vista.
 Porém, o que é o Dualismo?

Dualismo

 O Dualismo é uma posição filosófica que acredita na separação completa (ou seja, na impossibilidade de uma conexão final e concreta) entre duas substâncias, realidades, etc.
 Descartes acreditava que a alma e o corpo eram duas realidades completamente opostas e irredutíveis. Descartes defende, de um ponto de vista epistemológico, que não podemos confiar nos nossos sentidos, devido a várias razões (como, por exemplo, o facto de sonharmos. Se sonhamos e, quando sonhamos, não sabemos distinguir se o que nos acontece nos sonhos, quer sejam as maiores banalidades, como ler Hegel, ou as coisas mais estranhas e aberrantes, como compreender Hegel, é a realidade ou não, não podemos por isso confiar nos nossos sentidos, nem para uma coisa tão banal como distinguir a realidade da não-realidade.). Descartes é, por isso, um racionalista por excelência. Conseguimos assim ainda mais um ponto a favor do Dualismo: Descartes acredita que a mente e o corpo estão tão separados que nem no nosso corpo e nas sensações dele dependente podemos confiar.

O Mito Cartesiano: Um espírito numa máquina, ou numa glândula pineal?

 O Mito Cartesiano (também chamado de "o espírito numa máquina" ou de "o fantasma numa máquina") foi a descrição dada pelo filósofo britânico Gilbert Ryle do dualismo mente-corpo Cartesiano. Ryle foi um filósofo analítico que se dedicou, como muitos filósofos da mesma corrente, ao estudo da língua e dos processos cognitivos. Ryle nega, no seu livro The Concept of Mind a separação dos estados mentais dos estados físicos, assumindo assim uma posição quasi, se não mesmo, fisicalista.
 O argumento de Ryle é que, se para Descartes o corpo e a mente são duas entidades completamente distintas, e a mente e o corpo têm processos que decorrem em paralelo, onde é o "ponto de encontro" em que a mente informa o corpo, ou vice-versa, do que fazer? Visto não haver nenhuma resposta, que não se baseie na especulação, por parte de Descartes, e de todos os que apoiam este ramo da teoria dualista, Ryle afirma que o Homem teria que se tratar de "um fantasma numa máquina".
 Porém, Descartes "responde", a esta questão, de uma maneira Interaccionista. Descartes afirma, no seu "Meditações sobre a Filosofia Primeira" o seguinte: "Eu estou presente para o meu corpo não meramente na maneira em que um marinheiro está presente para o seu navio mas (...) eu estou fortemente unido e, numa forma de dizer, misturado junto com ele, tanto que eu formo uma só coisa com ele".
Localização da glândula pineal
 Parece por isso, que Descartes já tinha previsto este "mito" séculos antes de ele ser criado. Porém, ainda falta uma parte do mito: o "ponto de encontro".
Para isto, Descartes também apresentou uma solução: a glândula pineal, que ele julgava ser a parte do corpo onde ocorriam as comunicações entre alma e corpo.
 Porém, tal não passava de especulação, por isso, não podemos descartar o Mito Cartesiano ainda, pois Ryle disse claramente que não se poderia aceitar uma resposta baseada em especulação, e não em factos científicos (mais tarde veio-se também a provar que a glândula pineal tem várias funções, nenhuma sendo a comunicação entre a alma e o corpo.)

Lilli Alanen e o seu ensaio em defesa de Descartes

 
 Lilli Alanen é uma filósofa finlandesa com um especial interesse em David Hume e René Descartes. No seu ensaio Reconsidering Descartes's Notion of the Mind-Body Union ela traz à nossa atenção que, enquanto Descartes rejeita completamente os nossos sentidos e a nossa extensão corporal, esta rejeição apenas se aplica a fins epistemológicos. Descartes considera, pelo contrário, que os nossos sentidos "têm um valor cognitivo qua maneiras de pensamento, mas este uso (...) é não-científico."(2).
 Alanen traz também à atenção do leitor que Descartes afirma que a "união corpo-mente, embora não possa ser claramente e de forma distinta concebida por razão pura, é, no entanto, muito claramente percebida pelos sentidos, na experiência diária."(2)
 Seguindo esta cadeia de pensamento, podemos observar que o problema do "fantasma numa máquina" nunca pode ser aceite em debate, pois origina-se numa leitura muito estrita de Descartes, em que aplicamos conceitos epistemológicos à natureza do Homem, um salto extremamente grande. 

Conclusão

 Por isso, podemos concluir através da leitura de Alanen, que se pode afirmar que o Mito de Descartes não passa de outro mito, e que se originou em más e incompletas leituras e más interpretações deste filósofo francês.
 O debate sobre Descartes mantém-se, tanto neste tópico, como noutros, tal como a interpretação de que Descartes defendia o Interaccionismo, por exemplo. Porém, parece-me a mim, que Lilli Alanen, mesmo nesta forma extremamente sucinta, resumida, e "facilitada" do seu ensaio, possa ter posto um ponto neste assunto, que, mais tarde, talvez se torne mais uma das inúmeras vírgulas na filosofia.



Bibliografia
http://people.tamu.edu/~sdaniel/682%20Readings/alanen%20mind%20body.pdf
http://drupal-multisite-s3.s3-us-west-2.amazonaws.com/files/11-02-rene-descartes-the-history-channel-2.jpg
http://www.iep.utm.edu/dualism/#H3


Notas:
(1) O texto retirado da fonte, é o seguinte: "I am present to my body not merely in the way a seaman is present to his ship, but . . . I am tightly joined and, so to speak, mingled together with it, so much so that I make up one single thing with it" 
(2)Retirado e traduzido por mim do ensaio Reconsidering Descarte's Notion of the Mind-Body Union, Lilli Alanen, P.6, disponível aqui.

1 comentário:

  1. Excelente! A propósito, a «glândula pineal» é a glândula a que, hoje, chamamos hipófise. Curiosamente é o nosso «cérebro endócrino», que comanda e equilibra as restantes glândulas, garantindo o metabolismo. De certa forma, o «metabolismo» é o 'ponto' de equilíbrio entre o nosso corpo e a nossa mente (ou, como diria Descartes, a nossa 'alma'.

    ResponderEliminar