Introdução
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René Descartes |
Descartes defendeu várias teorias durante a sua vida, porém, focar-nos-emos neste artigo no seu "Dualismo radical", nas interpretações de outros filósofos, e no conceito de "espírito na máquina" resultante deste ponto de vista.
Porém, o que é o Dualismo?
Dualismo
O Dualismo é uma posição filosófica que acredita na separação completa (ou seja, na impossibilidade de uma conexão final e concreta) entre duas substâncias, realidades, etc.Descartes acreditava que a alma e o corpo eram duas realidades completamente opostas e irredutíveis. Descartes defende, de um ponto de vista epistemológico, que não podemos confiar nos nossos sentidos, devido a várias razões (como, por exemplo, o facto de sonharmos. Se sonhamos e, quando sonhamos, não sabemos distinguir se o que nos acontece nos sonhos, quer sejam as maiores banalidades, como ler Hegel, ou as coisas mais estranhas e aberrantes, como compreender Hegel, é a realidade ou não, não podemos por isso confiar nos nossos sentidos, nem para uma coisa tão banal como distinguir a realidade da não-realidade.). Descartes é, por isso, um racionalista por excelência. Conseguimos assim ainda mais um ponto a favor do Dualismo: Descartes acredita que a mente e o corpo estão tão separados que nem no nosso corpo e nas sensações dele dependente podemos confiar.
O Mito Cartesiano: Um espírito numa máquina, ou numa glândula pineal?
O Mito Cartesiano (também chamado de "o espírito numa máquina" ou de "o fantasma numa máquina") foi a descrição dada pelo filósofo britânico Gilbert Ryle do dualismo mente-corpo Cartesiano. Ryle foi um filósofo analítico que se dedicou, como muitos filósofos da mesma corrente, ao estudo da língua e dos processos cognitivos. Ryle nega, no seu livro The Concept of Mind a separação dos estados mentais dos estados físicos, assumindo assim uma posição quasi, se não mesmo, fisicalista.O argumento de Ryle é que, se para Descartes o corpo e a mente são duas entidades completamente distintas, e a mente e o corpo têm processos que decorrem em paralelo, onde é o "ponto de encontro" em que a mente informa o corpo, ou vice-versa, do que fazer? Visto não haver nenhuma resposta, que não se baseie na especulação, por parte de Descartes, e de todos os que apoiam este ramo da teoria dualista, Ryle afirma que o Homem teria que se tratar de "um fantasma numa máquina".
Porém, Descartes "responde", a esta questão, de uma maneira Interaccionista. Descartes afirma, no seu "Meditações sobre a Filosofia Primeira" o seguinte: "Eu estou presente para o meu corpo não meramente na maneira em que um marinheiro está presente para o seu navio mas (...) eu estou fortemente unido e, numa forma de dizer, misturado junto com ele, tanto que eu formo uma só coisa com ele".
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Localização da glândula pineal |
Para isto, Descartes também apresentou uma solução: a glândula pineal, que ele julgava ser a parte do corpo onde ocorriam as comunicações entre alma e corpo.
Porém, tal não passava de especulação, por isso, não podemos descartar o Mito Cartesiano ainda, pois Ryle disse claramente que não se poderia aceitar uma resposta baseada em especulação, e não em factos científicos (mais tarde veio-se também a provar que a glândula pineal tem várias funções, nenhuma sendo a comunicação entre a alma e o corpo.)
Lilli Alanen e o seu ensaio em defesa de Descartes
Lilli Alanen é uma filósofa finlandesa com um especial interesse em David Hume e René Descartes. No seu ensaio Reconsidering Descartes's Notion of the Mind-Body Union ela traz à nossa atenção que, enquanto Descartes rejeita completamente os nossos sentidos e a nossa extensão corporal, esta rejeição apenas se aplica a fins epistemológicos. Descartes considera, pelo contrário, que os nossos sentidos "têm um valor cognitivo qua maneiras de pensamento, mas este uso (...) é não-científico."(2).
Alanen traz também à atenção do leitor que Descartes afirma que a "união corpo-mente, embora não possa ser claramente e de forma distinta concebida por razão pura, é, no entanto, muito claramente percebida pelos sentidos, na experiência diária."(2)
Seguindo esta cadeia de pensamento, podemos observar que o problema do "fantasma numa máquina" nunca pode ser aceite em debate, pois origina-se numa leitura muito estrita de Descartes, em que aplicamos conceitos epistemológicos à natureza do Homem, um salto extremamente grande.
Conclusão
Por isso, podemos concluir através da leitura de Alanen, que se pode afirmar que o Mito de Descartes não passa de outro mito, e que se originou em más e incompletas leituras e más interpretações deste filósofo francês.O debate sobre Descartes mantém-se, tanto neste tópico, como noutros, tal como a interpretação de que Descartes defendia o Interaccionismo, por exemplo. Porém, parece-me a mim, que Lilli Alanen, mesmo nesta forma extremamente sucinta, resumida, e "facilitada" do seu ensaio, possa ter posto um ponto neste assunto, que, mais tarde, talvez se torne mais uma das inúmeras vírgulas na filosofia.
Bibliografia
http://people.tamu.edu/~sdaniel/682%20Readings/alanen%20mind%20body.pdf
http://drupal-multisite-s3.s3-us-west-2.amazonaws.com/files/11-02-rene-descartes-the-history-channel-2.jpg
http://www.iep.utm.edu/dualism/#H3
Notas:
(1) O texto retirado da fonte, é o seguinte: "I am present to my body not merely in the way a seaman is present to his ship, but . . . I am tightly joined and, so to speak, mingled together with it, so much so that I make up one single thing with it"
(2)Retirado e traduzido por mim do ensaio Reconsidering Descarte's Notion of the Mind-Body Union, Lilli Alanen, P.6, disponível aqui.
Excelente! A propósito, a «glândula pineal» é a glândula a que, hoje, chamamos hipófise. Curiosamente é o nosso «cérebro endócrino», que comanda e equilibra as restantes glândulas, garantindo o metabolismo. De certa forma, o «metabolismo» é o 'ponto' de equilíbrio entre o nosso corpo e a nossa mente (ou, como diria Descartes, a nossa 'alma'.
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