segunda-feira, 12 de junho de 2017

Guia compreensivo para o estudante: 10º ano, Ensino Regular - Aula ζ

Ética

 A ética é o ramo filosófico que estuda as ações e como devemos agir.
 Fazem parte do currículo do 10ºano duas teorias do ramo da ética: a teoria de Immanuel Kant e a teoria de John Stuart Mill. Iremos aprofundar, primeiramente, a de Kant. Comecemos.

A teoria ética de Immanuel Kant

Conceitos básicos

 A teoria de Kant baseia-se em classificar o valor ético de uma ação em função da intenção com que foi realizada, inserindo-se assim no "sub-ramo" das teorias deontológicas (nome que provem do grego «deontos» - dever). Kant, e os outros deontologistas, acreditavam que apenas é correto julgar as ações de alguém, de um ponto de vista ético, através das suas intenções, pois apenas estas são controladas pelo agente em questão.

O dever

Immanuel Kant
 Kant acreditava que uma ação apenas é moralmente correcta se a nossa única motivação for o cumprimento do dever. Desta forma, se realizarmos qualquer ação que pareça moralmente correta, mas com algum fim que não cumprir o dever em mente, esta ação torna-se imediatamente incorrecta.
 Por exemplo, a seguinte situação:
  • Uma velhinha, com uma nota de cinco euros na mão, está com dificuldades a atravessar uma rua.
 Alguém que ajudasse a velhinha a atravessar a rua estaria certamente a ser moralmente correcto, certo? Não é assim tão simples, pois a motivação por trás da ação poderia ser incorrecta.
 Por exemplo, se o José ajudasse a velhinha a atravessar a rua, com a motivação de tentar conseguir a nota de cinco euros como recompensa, estaria a agir de uma forma moral e eticamente incorrecta.
 Pelo contrário, se o Carlos ajudasse a velhinha a atravessar a rua, apenas porque tal é o seu dever, estaria a agir correctamente, de acordo com a Ética Kantiana. A este último caso chama-se agir por dever.
 Há ainda o agir conforme o dever. Por exemplo, se nós pagamos os nossos impostos, apenas porque desejamos ser respeitados, receber benefícios, etc., estamos a agir conforme o dever (pagar os nossos impostos). Pagar os impostos apenas por ser o nosso dever, sem ter em mente o respeito que poderá ser ganho ou os benefícios que poderemos receber, é agir por dever.

Imperativo categórico e imperativos hipotéticos

 Kant sugere-nos também a sua ideia do imperativo categórico, com três formulações mais ou menos equivalentes. Mas primeiro temos que compreender o que são os imperativos hipotéticos.
 Imperativos hipotéticos são imperativos cujas regras temos que seguir para conseguir algo. Por exemplo, para sermos pianistas temos que seguir o imperativo hipotético de ter aulas de piano, por exemplo. Podemos resumir este imperativo como:
  • Tem aulas de piano se desejas ser pianista. 
 Prestemos especial atenção ao "se", indicador de um imperativo hipotético. Se não desejarmos ser pianistas, simplesmente não seguimos este imperativo. Daí provém o nome "hipotético", pois é necessário que se tenha preenchido uma condição/hipótese (querer ser pianista), para o seguir.
 O imperativo categórico é diferente, pois deve ser seguido em todas as ocasiões.
 A formulação mais comum do imperativo categórico é a seguinte:
  • Age de tal modo que a máxima da tua ação se possa tornar princípio de uma legislação universal.
 O que significa isto?
«Quando Kant diz "(...)a máxima da tua ação(...)", ele refere-se à intenção do agente na altura de executar a ação.
  "(...)se possa tornar princípio de uma legislação universal." refere-se ao facto de a nossa ação poder ser aceitável se for aplicada por todos os Homens da mesma maneira. Ou seja, imaginemos uma ação x. Se todos os Homens poderem executar x, e esta ação x se poder tornar uma lei universal (ou seja, não for prejudicial ao Homem, tanto indivíduo como no geral), podemos dizer que tal ação está de acordo com o Imperativo Categórico.»(1)

Ora, vejamos um exemplo:
Schutzstaffel, a polícia nazi que, supostamente, procuraria o Albert.
  • Imaginemos que vivemos na Alemanha sob o governo de Hitler. A polícia bate-nos à porta, e pergunta se vimos o Albert, um judeu que estamos a esconder em nossa casa, e que a polícia alemã pretende matar. O que fazemos?
 Kant responderia da seguinte maneira à questão:
  •  Ao dizermos que não vimos o Albert, estaríamos a mentir, o que vai contra o imperativo categórico, visto que se mentir se tornasse uma legislação universal, e todos os Homens seguissem este princípio, o mundo cairia no caos absoluto. Logo, temos que dizer que o vimos, e indicar onde ele está. 

 Outra formulação do imperativo categórico é a seguinte:
  • Trata sempre as pessoas como fins em si, nunca como meros meios. 
 Explicarei isto por meio de um exemplo. Uma amizade que alguém cria com um fim em mente (e.g. ganhos monetários) trata-se de utilizar uma pessoa como um meio. pelo contrário, a verdadeira amizade, em que vemos a outra pessoa como alguém com ideias, emoções, desejos e liberdade individuais, trata-se de tratar alguém como um fim em si.

Críticas à ética kantiana  

  1. Não resolve conflitos entre deveres: Como observamos anteriormente, a ética kantiana pode-nos dar respostas amargas a certos problemas, porém, existe também o problema do conflito de deveres. Quando entregamos o Albert à polícia alemã, estamos a fazê-lo para não quebrar a máxima "Nunca deves mentir.". Mas, ao mesmo tempo, estamos a ir contra a máxima, igualmente correta, de "Não deves deixar inocentes morrerem.". Este problema deve-se à inflexibilidade da ética kantiana, e à rigidez do seu imperativo categórico.
  2. Desculpa a negligência bem-intencionada: Esta crítica aplica-se ao facto da ética de Kant ignorar as consequências das ações. Assim, se o agente agir com boas intenções, e seguindo o imperativo categórico, mas acabar por causar qualquer tipo de danos que prevaleçam por cima do bem causado, continuará, segundo esta ética, a ter agido bem.

Utilitarismo de Mill

John Stuart Mill
 John Stuart Mill foi um filósofo utilitarista, ou seja, um filósofo que acreditava que o maior bem da vida era a felicidade. A definição de felicidade para estes filósofos é:
  • A felicidade é o único bem com valor intrínseco e consiste no prazer e na ausência de dor.
 Mill desenvolveu uma teoria ética a partir do seu princípio da maior felicidade. Este princípio consiste em afirmar que as ações boas são aquelas que maximizam a felicidade, e as más aquelas que causam sofrimento. 
 Para Mill existem dois tipos de prazeres: os de ordem superior (de natureza intelectual), e os de ordem inferior (de natureza mais física). Mill defende que devemos preferir os prazeres superiores aos inferiores, argumentando que «[é] melhor ser um ser humano insatisfeito que um porco satisfeito; melhor ser um Sócrates insatisfeito que um tolo satisfeito; e, se o tolo ou o porco tem uma opinião distinta, é porque eles só conhecem o seu próprio lado da questão.»(2)
 Para que este sistema funcione, é necessário conhecer as consequências habituais de uma ação, ou seja, se fizermos uma determinada ação, temos que conseguir prever, na melhor das nossas capacidades, o que vai acontecer, de modo a maximizar a felicidade causada. 
 Utilizando o exemplo anteriormente dado, Mill não revelaria a localização de Albert, pois estaria a causar infelicidade a Albert e à sua família.


Críticas ao Utilitarismo

  1. Objeção do criminoso azarento ou do herói por acaso: Este contraargumento consiste em afirmar que, aceitando esta teoria, teríamos também de aceitar que alguém com más-intenções possa ter agido corretamente por azar seu. Por exemplo: «[S]e um assassino contratado falha o tiro e com isso fere um terrorista, assim impedindo que este detone uma bomba à distância que mataria dezenas de inocentes.»(3). Seria, neste caso, o assassino contratado um herói ou um criminoso à mesma?
  2. Males sem prejuízo: Ao contrário do que costumamos crer sobre os nossos deveres (e.g. honestidade e de honrar compromissos), o utilitarismo defende que uma ação sem más consequências não é considerada má. Por exemplo, se não cumprirmos uma promessa feita a alguém que não necessite já dela e já dela se tenha esquecido, seriamos considerados pelo utilitarismo como agentes neutros (nem bons nem maus). Porém, estaríamos a quebrar uma promessa à mesma, algo moralmente incorreto.
  3. Sacrifícios em nome do bem melhor: O utilitarismo diz-nos, diretamente, que podemos causar dores enormes a um indivíduo, desde que desta ação beneficiarem um maior número de indivíduos. Por exemplo, segundo o utilitarismo, é perfeitamente aceitável matar um sujeito para salvar a vida a dez. Tal posição é, hoje, amplamente rejeitada.
  4. A máquina do prazer: Esta objeção consiste em propor que, já que a felicidade é o bem supremo, muitos, senão todos, os indivíduos concordariam em viver ligados a uma máquina que lhes desse uma vida "virtual" recheada apenas de momentos de prazer e felicidade. Porém, quase ninguém parece aceitar esta proposta.
  5. Problemas no cálculo da utilidade: Estes problemas são levantados em dois pontos:
    1. Fazer um cálculo da utilidade presume que se consigam resumir todos os tipos de dores e satisfações, bem como a sua intensidade que, muitas vezes, varia de pessoa para pessoa, a uma escala numérica. Isto é algo altamente improvável de alguma vez conseguir ser realizado, senão mesmo impossível.
    2. Mesmo se este Adamastor de dificuldade fosse, de alguma forma, superado, teríamos ainda de prever as consequências, o que se torna extremamente difícil de fazer, especialmente quanto toca às consequências a longo prazo. 
     

Problema do carrinho (extra)

 Num artigo previamente publicado neste blog, falei sobre as éticas de Kant e de Mill, e apliquei-as a um famoso problema filosófico. Clica aqui para leres mais.

Exercícios 

1) A qual destas teorias da ética se aplicam as seguintes críticas?
A - Ética kantiana
B - Utilitarismo
  1. Males sem prejuízo
  2. Não resolve conflitos entre deveres
  3. A máquina do prazer
2 - Segundo Kant, um indivíduo que ajude os seus pais na cozinha em troca da sua mesada está a agir por dever ou conforme o dever?

3 - Completa a seguinte frase:
Segundo Mill, os prazeres de natureza intelectual são denominados de _______, enquanto os de natureza física são denominados de _______.

Resolução

 1) A - 2
     B - 1 3

2- Conforme o dever.

3 - superiores/inferiores

Notas

(1) - Retirado de: https://doxadep.blogspot.pt/2017/02/o-problema-do-carrinho-uma-analise-de.html
(2) - Retirado de: http://www.citador.pt/textos/antes-sabio-infeliz-que-tolo-feliz-john-stuart-mill
(3) - Pedro Galvão, António Correia Lopes: Preparação para o Exame Final Nacional Filosofia 11º ano, p. 57

Bibliografia

Pedro Galvão, António Correia Lopes: Preparação para o Exame Final Nacional Filosofia 11º ano
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/4/43/Immanuel_Kant_%28painted_portrait%29.jpg/800px-Immanuel_Kant_%28painted_portrait%29.jpg

https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/20/Bundesarchiv_Bild_183-H15390%2C_Berlin%2C_Kaserne_der_LSSAH%2C_Vergatterung.jpg
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/9/99/John_Stuart_Mill_by_London_Stereoscopic_Company%2C_c1870.jpg/800px-John_Stuart_Mill_by_London_Stereoscopic_Company%2C_c1870.jpg
http://www.citador.pt/textos/antes-sabio-infeliz-que-tolo-feliz-john-stuart-mill
https://doxadep.blogspot.pt/2017/02/o-problema-do-carrinho-uma-analise-de.html

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