Introdução
O Problema do Carrinho é uma experiência mental, introduzida, na sua forma moderna, por Philippa Foot em 1967, que levanta questões éticas relacionadas com o nosso dever de proteger a vida, com a imagem que temos de nós mesmos, etc. Apesar de existirem inúmeras variações deste problema, focaremo-nos em apenas uma, a original, no presente artigo.
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Ilustração do Problema do Carrinho. ( https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/8c/Trolley_problem.png (acedido a 13/02/17)) |
Um carrinho descontrola-se, e, no caminho que irá percorrer, irá matar cinco pessoas que estão atadas aos carris. Porém, estás perto de uma alavanca, que, se for puxada, irá mudar a trajetória do carrinho, em direção a uma outra via, na qual está uma pessoa atada a esses mesmos carris. Tens duas opções, então:
1) Não fazer nada e ser culpado, indiretamente, da morte de cinco pessoas, mas ser o salvador de uma pessoa;
2) Puxar a alavanca e ser culpado, diretamente, da morte de uma pessoa, mas ser o salvador de cinco pessoas.
Este problema está cada vez a ser mais importante, visto que veículos autónomos estão cada vez mais próximos de estarem disponíveis ao consumidor. Podemos imaginar uma situação semelhante a esta, em que um carro sem condutor se depara com uma situação em que pode salvar os passageiros mas matar, por exemplo, uma criança que se atravesse na estrada.
Kant e sua ética

Immanuel Kant é um dos gigantes da Filosofia, por vezes pelas suas conclusões inspiradoras e belas, outras vezes pela dificuldade dos seus livros (ver Crítica da Razão Pura). Porém, um dos pilares da Filosofia Kantiana é o Imperativo Categórico, que se exprime de três possíveis maneiras, que Kant achava serem mais ou menos equivalentes. A mais conhecida é a seguinte:
Age de tal modo que a máxima da tua ação se possa tornar princípio de uma legislação universal.Ora, para um iniciante em Kant, tal frase não nos diz nada. Esta é, infelizmente, uma característica da escrita de Kant: a sua "densidade".
Analisemos esta citação:
Quando Kant diz "(...)a máxima da tua ação(...)", ele refere-se à intenção do agente na altura de executar a ação.
"(...)se possa tornar princípio de uma legislação universal." refere-se ao facto de a nossa ação poder ser aceitável se for aplicada por todos os Homens da mesma maneira. Ou seja, imaginemos uma ação x. Se todos os Homens poderem executar x, e esta ação x se poder tornar uma lei universal (ou seja, não for prejudicial ao Homem, tanto indivíduo como no geral), podemos dizer que tal ação está de acordo com o Imperativo Categórico.
Portanto, aplicaremos isto ao Problema do Carrinho:
Kant olharia para a alavanca e pensaria no seu sistema ético, e não a puxaria. Porquê?
Pois Kant, ao puxar a alavanca, estaria diretamente a matar alguém. A máxima de matar alguém é igual em qualquer situação, quer seja para salvar cinco, vinte, duzentas pessoas, não interessa o número, a máxima é sempre a mesma. Ora, se todos nós começássemos a matar pessoas, o mundo ficaria um caos, logo esta ação vai contra o Imperativo Categórico.
Porém, encontramos assim um problema na Ética Kantiana: a sua inflexibilidade.
Existem inúmeras críticas à Ética Kantiana por este mesmo motivos. Por exemplo, se um assassino em série aparecesse à porta de casa de um seguidor da Ética Kantiana, e lhe perguntasse onde estava a família dele, o indivíduo não teria opção nenhuma sem ser contar-lhe onde está a sua família, e sujeitar-se a vê-los assassinados por sua culpa (indiretamente), visto que mentir vai sempre contra o Imperativo Categórico.
Utilitarismo de Mill

Mill era também um defensor do Hedonismo, ou seja, que a felicidade é o maior bem da vida.
Por isto, Mill, vendo a alavanca à sua frente, teria que pensar na felicidade que iria causar. E encontramos aqui novo problema. A escolha parece fácil, afinal, se podemos salvar cinco indivíduos à custa de um, não estaríamos a maximizar a felicidade? Talvez, mas aqui entra um problema da ética de Mill: é altamente especulativa, e pede ao seu utilizador que consiga "prever o futuro". Afinal, aquelas cinco pessoas podiam não ter famílias, nem amigos, e o indivíduo nos outros carris poderia ter uma família feliz que o esperava em casa, e muitos amigos. Não há maneira simples de resolver isto. Porém, se assumirmos que todas as vidas teriam um valor igual (ou seja, igualdade total quanto toca à felicidade que a sua sobrevivência traria), Mill puxaria a alavanca.
Os dilemas morais nunca são fáceis... Talvez procurando outras posições éticas (o que ainda pode piorar!).
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