segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

O Problema do Carrinho: Uma análise dos pontos de vista Kantiano e Utilitarista.


 Introdução


 O Problema do Carrinho é uma experiência mental, introduzida, na sua forma moderna, por Philippa Foot em 1967, que levanta questões éticas relacionadas com o nosso dever de proteger a vida, com a imagem que temos de nós mesmos, etc. Apesar de existirem inúmeras variações deste problema, focaremo-nos em apenas uma, a original, no presente artigo.
Ilustração do Problema do Carrinho. ( https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/8c/Trolley_problem.png (acedido a 13/02/17))
 Ora, imagine-se a seguinte situação:
 Um carrinho descontrola-se, e, no caminho que irá percorrer, irá matar cinco pessoas que estão atadas aos carris. Porém, estás perto de uma alavanca, que, se for puxada, irá mudar a trajetória do carrinho, em direção a uma outra via, na qual está uma pessoa atada a esses mesmos carris. Tens duas opções, então:
1) Não fazer nada e ser culpado, indiretamente, da morte de cinco pessoas, mas ser o salvador de uma pessoa;
2) Puxar a alavanca e ser culpado, diretamente, da morte de uma pessoa, mas ser o salvador de cinco pessoas.
 Este problema está cada vez a ser mais importante, visto que veículos autónomos estão cada vez mais próximos de estarem disponíveis ao consumidor. Podemos imaginar uma situação semelhante a esta, em que um carro sem condutor se depara com uma situação em que pode salvar os passageiros mas matar, por exemplo, uma criança que se atravesse na estrada.
Exemplo de uma variação do Problema do Carrinho, aplicado aos carros sem condutor. Neste caso pergunta-se se é mais moralmente aceitável salvar os passageiros, ou matá-los para salvar os peões. (http://wp.production.patheos.com/blogs/danthropology/files/2016/08/Screen-Shot-2016-08-09-at-9.09.55-AM-e1470759244102.png (acedido a 13/02/17))

 Podemos, com este exemplo, observar que este é um problema extremamente importante para a nossa (futura) sociedade. Porém, vamos examinar o problema clássico sobre a perspetiva de dois filósofos extremamente importantes na história da filosofia: Immanuel Kant e John Stuart Mill.

Kant e sua ética



 Immanuel Kant é um dos gigantes da Filosofia, por vezes pelas suas conclusões inspiradoras e belas, outras vezes pela dificuldade dos seus livros (ver Crítica da Razão Pura). Porém, um dos pilares da Filosofia Kantiana é o Imperativo Categórico, que se exprime de três possíveis maneiras, que Kant achava serem mais ou menos equivalentes. A mais conhecida é a seguinte:
Age de tal modo que a máxima da tua ação se possa tornar princípio de uma legislação universal.
 Ora, para um iniciante em Kant, tal frase não nos diz nada. Esta é, infelizmente, uma característica da escrita de Kant: a sua "densidade".
 Analisemos esta citação:
 Quando Kant diz "(...)a máxima da tua ação(...)", ele refere-se à intenção do agente na altura de executar a ação.
  "(...)se possa tornar princípio de uma legislação universal." refere-se ao facto de a nossa ação poder ser aceitável se for aplicada por todos os Homens da mesma maneira. Ou seja, imaginemos uma ação x. Se todos os Homens poderem executar x, e esta ação x se poder tornar uma lei universal (ou seja, não for prejudicial ao Homem, tanto indivíduo como no geral), podemos dizer que tal ação está de acordo com o Imperativo Categórico.
 Portanto, aplicaremos isto ao Problema do Carrinho:
 Kant olharia para a alavanca e pensaria no seu sistema ético, e não a puxaria. Porquê?
 Pois Kant, ao puxar a alavanca, estaria diretamente a matar alguém. A máxima de matar alguém é igual em qualquer situação, quer seja para salvar cinco, vinte, duzentas pessoas, não interessa o número, a máxima é sempre a mesma. Ora, se todos nós começássemos a matar pessoas, o mundo ficaria um caos, logo esta ação vai contra o Imperativo Categórico.
 Porém, encontramos assim um problema na Ética Kantiana: a sua inflexibilidade.
 Existem inúmeras críticas à Ética Kantiana por este mesmo motivos. Por exemplo, se um assassino em série aparecesse à porta de casa de um seguidor da Ética Kantiana, e lhe perguntasse onde estava a família dele, o indivíduo não teria opção nenhuma sem ser contar-lhe onde está a sua família, e sujeitar-se a vê-los assassinados por sua culpa (indiretamente), visto que mentir vai sempre contra o Imperativo Categórico.

Utilitarismo de Mill

 John Stuart Mill desenvolveu um sistema de ética Utilitarista e Consequencionalista. Ou seja, a sua ética gira à volta do impacto que tal ação terá na sociedade, e, mais particularmente, na felicidade para o geral dos indivíduos. Este sistema Consequencionalista opõe-se ao sistema de base Deontológica de Kant, pois, enquanto o sistema Kantiano baseia-se no dever moral, e pode ser resumido por "O fim não justifica os meios.", o sistema de Mill baseia-se na felicidade que será causada pela ação que estamos prestes a tomar, não interessa qual seja a ação que temos que tomar, podendo, por isso, ser resumido por "O fim justifica os meios.".
 Mill era também um defensor do Hedonismo, ou seja, que a felicidade é o maior bem da vida.
 Por isto, Mill, vendo a alavanca à sua frente, teria que pensar na felicidade que iria causar. E encontramos aqui novo problema. A escolha parece fácil, afinal, se podemos salvar cinco indivíduos à custa de um, não estaríamos a maximizar a felicidade? Talvez, mas aqui entra um problema da ética de Mill: é altamente especulativa, e pede ao seu utilizador que consiga "prever o futuro". Afinal, aquelas cinco pessoas podiam não ter famílias, nem amigos, e o indivíduo nos outros carris poderia ter uma família feliz que o esperava em casa, e muitos amigos. Não há maneira simples de resolver isto. Porém, se assumirmos que todas as vidas teriam um valor igual (ou seja, igualdade total quanto toca à felicidade que a sua sobrevivência traria), Mill puxaria a alavanca.

Conclusão

Podemos observar que este problema não tem solução fácil. Existem vários lados que defendem diferentes teses, que terão de ser todas tidas em consideração com o problema cada vez mais próximo dos veículos autónomos. A solução não é fácil, como pudemos observar neste pequeno artigo. Deixo uma questão aos leitores: qual é a vossa solução para este problema, e, quando chegar a hora de programarmos os nossos veículos autónomos, qual deverá vencer: a resposta mais popular entre todos os habitantes que estarão sujeitos a esta realidade, ou a decisão de especialistas nestas questões, quer sejam filósofos, ou qualquer outro especialista?

 



1 comentário:

  1. Os dilemas morais nunca são fáceis... Talvez procurando outras posições éticas (o que ainda pode piorar!).

    ResponderEliminar