quarta-feira, 14 de junho de 2017

Guia compreensivo para o estudante: 10º ano, Ensino Regular - Aula η

Ética e moral

 Apesar de parecerem semelhantes, a ética e a moral têm importantes distinções.
 Ambas podem responder à pergunta «O que devo fazer?», mas respondem de maneiras diferentes.  Exploremos então em maior detalhe este tema.
 Primeiro, há que notar que, para se responder à pergunta acima colocada, temos que ter como pressuposto que existe livre-arbítrio, afinal, se tudo estivesse determinado, não faria sentido colocar esta questão.
 Enquanto a moral formula normas e regras que devemos aceitar (ou seja, é normativa), e pretende apresentar o que é mais correcto (ou seja, é prescritiva), a ética é reflexiva, filosófica, e especulativa.
 A ética tenta descobrir e revelar os princípios orientadores da ação, e, assim, chegar aos fundamentos da moral e a soluções para problemas e dilemas morais.
 Pelo contrário, a moral dá-nos diretamente códigos de conduta.

Direito e ética

 Existem duas definições para a palavra "direito":
Mahatma Gandhi
  • O direito de ter algo, fazer algo, etc. (O José tem direito a comer um chocolate.);
  • O conjunto das normas públicas que definem os direitos individuais e os deveres de uma comunidade (O José tem direito ao fundo de desemprego segundo as leis [os Direitos] de Portugal).
 Nota que, na segunda definição da palavra, Direito aparece com a primeira letra maiúscula. Isto deve-se ao facto de, quando queremos distinguir entre as duas definições, capitalizamos a primeira letra, no caso de estarmos a falar da lei de determinada comunidade.
 Apesar do Direito ter os seus fundamentos na ética, existem várias ocasiões em que o Direito permite algo que é eticamente reprovável. Alguns indivíduos, alguns extremamente conhecidos como Mahatma Gandhi, respondem a estes problemas utilizando a desobediência civil.
 A desobediência civil é o ato público e pacífico de não cumprir uma lei, que é considerada pelo indivíduo em questão como sendo injusta eticamente para a população em geral, com o fim de levar os legisladores e governantes a repensar a lei, e, eventualmente, modificá-la ou revogá-la. Um exemplo de desobediência civil ocorreu na altura da independência da Índia, Paquistão, e o que seria mais tarde o Bangladesh, quando Gandhi e seus seguidores usaram a desobediência civil para conseguir a tão desejada independência da potência colonial que era o Império Britânico.

Política

Questões políticas

 A filosofia política preocupa-se com três tópicos:
  1. Justificação do Estado;
  2. Lei;
  3. Justiça social.
 Existe um objetivo comum a todos os filósofos que se ocupam deste tema: o bem-estar, quer seja do indivíduo - através da Ética, pois trata-se de respeitar a individualidade e subjetividade - ou do cidadão - através da política, pois o cidadão faz parte de uma comunidade.

Teorias para a justificação do Estado

 Estudarás duas teorias para a justificação do Estado: a teoria da origem natural, defendida por Aristóteles (denominada de Naturalismo Político), e a teoria da origem contratual, defendida por vários filósofos, dos quais estudarás apenas Hobbes, Locke e Rawls (denominada de Contratualismo).

Naturalismo Político

 Para compreendermos corretamente a explicação que se segue temos de conhecer um termo e a estrutura política na altura de Aristóteles:
Aristóteles
  • A sociedade grega tratava-se de uma sociedade esclavagista.
  • Apenas os cidadãos tinham direito ao voto, sendo que apenas homens, maiores de idade, e filhos de pais da cidade-estado em questão (neste caso, Atenas) eram considerados cidadãos.
  • Polis: O nome que se dava às cidades-estados.
 Aristóteles defende que a polis surgiu de origem natural. Primeiro, homem e mulher uniram-se com o intuito da reprodução, e o mestre e o escravo juntaram-se com o intuito da auto-preservação. O mestre usou o seu intelecto para governar, e o escravo as suas capacidades físicas para trabalhar.
 De seguida, a família surgiu naturalmente de forma a servir as necessidades do dia-a-dia. Após isso, também de acordo com a natureza, as famílias juntaram-se, devido a mais e novas necessidades, numa aldeia. Finalmente, forma-se a cidade, que «é uma comunidade completa, formada a partir de várias aldeias e que, por assim dizer, atinge o máximo de auto-suficiência. Formada a princípio para preservar a vida, a cidade subsiste para assegurar a vida boa.»(1)
 Conseguimos aqui observar que Aristóteles considerava a escravatura como algo natural, e também a superioridade do homem sobre a mulher.

Contratualismo de Hobbes e de Locke

 O contratualismo consiste, no geral, em afirmar que o Estado surgiu por meios de um "contrato social", em que os indivíduos concordaram em criar um Estado como meio de proteção pessoal, e pôr assim fim ao estado natural (em que todos eram totalmente livres e absolutamente iguais).
 Para os contratualistas existem três direitos básicos do Homem:
  • O direito à vida;
  • O direito à liberdade;
  • O direito à propriedade.
 Falaremos agora de dois dos três filósofos contratualistas do currículo do 10º ano: Thomas Hobbes e
John Locke.

Thomas Hobbes

Thomas Hobbes
 Hobbes acreditava que «o Homem é o lobo do Homem», ou seja, que o estado de natureza consistia num estado de extrema insegurança, e que correspondia à constante ameaça e à guerra de todos contra todos.
 Thomas Hobbes considerava que, no estado natural, nenhum direito fundamental era respeitado, e, por isso, o medo da morte levou os Homens a criar um estado absoluto, em que o soberano é todo-poderoso.
 Hobbes defendia que este sistema era o melhor possível, e que o contrato social, uma vez "assinado", não era revogável, nem reconhecia o direito de revolução ou rebelião. Qualquer tipo de tentativa de destronar o soberano deveria ser esmagada.
 Para Hobbes, as leis tinham origem na vontade suprema do soberano, e que este está acima da lei.

John Locke

John Locke
 Locke vai contra Hobbes em vários aspetos. Por um lado, John Locke acreditava que o estado de natureza é um estado de paz, boa vontade e de assistência mútua, mas em que não se respeitava o direito de propriedade. Era este desrespeito por um direito aparentemente tão essencial que levava o Homem a "assinar" o contrato social.
 Locke defendia um estado de direito liberal, em que as leis têm origem na intenção de preservar os três direitos fundamentais do Homem.
 Por fim, Locke defendia que o contrato social é revogável, se, e apenas se, o governante desrespeitar a lei.

Justiça social

 O termo «justiça social» refere-se à questão: «Como devem ser distribuídos, numa sociedade verdadeiramente justa, quer os benefícios, quer os custos?».
 Existem, no geral, duas formas de responder a esta questão. A primeira é o Igualitarismo, e a segunda é o Liberalismo.
 O Igualitarismo defende que a Igualdade deve ser total, e que o estado deve ser o representante do Bem Comum, e deve possuir mecanismos de intervenção económicos e sociais.
 O Liberalismo defende a liberdade quanto toca aos três direitos básicos do Homem, e advoga a favor de um estado fraco e não interventivo.

John Rawls

 John Rawls foi um filósofo do século XX e do início do século XXI que defendia o Liberalismo Social, e apresentou-nos a sua ideia de equidade.
John Rawls
 Rawls é considerado como um liberal pois defendia, como veremos mais abaixo, a Liberdade Individual acima de tudo. Este filósofo também se opunha ao Igualitarismo, pois considerava que era admissível, e até desejável, um certo grau de desigualdade, com o fim de aumentar a produção e riqueza.
 John Rawls começa a sua filosofia analisando as democracias liberais contemporâneas (e.g. EUA).
 Este filósofo pede-nos para imaginarmos uma situação de partida para o acordo contratualista, a que ele chama de posição original, na qual somos agentes racionais, mas desconhecemos qual vai ser, depois do acordo, a nossa posição social (ou seja, se seremos ricos, pobres, mestres, escravos, etc.). Desconhecemos ainda a nossa raça, sexo, nacionalidade e posições filosóficas, mas conhecemos os "ingredientes" necessários para uma boa vida para a população no geral.
 Desta maneira, ao "assinarmos" o contrato social seremos forçados a pensar e a formar a sociedade de uma maneira o mais imparcial o possível.
 Porquê? Imaginemos que, ao "assinar" o contrato social, um indivíduo defendia a escravatura, e era formada a sociedade com esse princípio em mente. Poderia, depois, "cair a sorte" a esse indivíduo de ele vir a ser escravo.
 Rawls defendia que os seguintes princípios deveriam ser postos em prática numa sociedade, mais ou menos nesta ordem(2):
  1. Princípio da Igual Liberdade: A sociedade deve assegurar a máxima liberdade para cada indivíduo, sendo esta liberdade compatível com a dos demais.
  2. Princípio da Diferença: As desigualdades económicas e sociais serão "manipuladas" de modo a favorecer os mais necessitados.
  3. Princípio da Oportunidade Justa (ou da Igualdade de Oportunidades): As desigualdades económicas e sociais devem estar ligadas a postos, posições e cargos acessíveis a todos, em condições justas de igualdade e de oportunidade.

Robert Nozick

  Nozick era um Libertário radical, que se opôs a Rawls, por considerar que o Princípio da Diferença violava os princípios da liberdade e da propriedade.

Robert Nozick

Exercícios

1) Qual foi o filósofo que se opôs a Rawls, defendendo o Libertarismo radical?
2) Que filósofo defendeu o Naturalismo político?

Resolução

1 - Robert Nozick
2 - Aristóteles

Notas

(1) - Aristóteles, Política (Edição Bilingue)(I.2.1252b27–30)
(2) - O segundo e o terceiro princípios por vezes são trocados de lugar.

Bibliografia

https://www.priberam.pt/dlpo/prescritiva
https://www.priberam.pt/dlpo/normativa
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/d/d1/Portrait_Gandhi.jpg/800px-Portrait_Gandhi.jpg
https://plato.stanford.edu/entries/aristotle-politics/supplement3.html
Pedro Galvão, António Correia Lopes: Preparação para o Exame Final Nacional Filosofia 11º ano
Aristóteles, Política (Edição Bilingue)
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/62/Aristotle_Altemps_Detail.jpg
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/d/d8/Thomas_Hobbes_%28portrait%29.jpg/220px-Thomas_Hobbes_%28portrait%29.jpg
https://pt.slideshare.net/filosofiaesjs/concepes-de-justia-e-john-rawls
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/en/3/3d/John_Rawls.jpg
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/en/1/1d/Robert_nozick.jpg

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