Roy Batty
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Blade
Runner é um filme que pode ter uma leitura filosófica, se
entendermos que a questão que lhe subjaz é a questão fundamental da Filosofia: o que é o Homem?
Perguntar «o que é o Homem?» é procurar
onde reside a sua Humanidade.
Podemos, desde logo, afastar o critério do
aspeto ou aparência (os Replicantes Nexus 6 são robôs perfeitos,
andróides com aspeto humano), na
senda, aliás, da Filosofia clássica desde Parménides de Eleia e Platão.
Poderemos, então, encontrar esse critério
na Razão, como afirmou o Racionalismo e o Idealismo? Blade Runner demonstra a insuficiência desta resposta. Os robôs da
série Nexus 6, os Replicantes – principais personagens do
filme, a par do seu caçador, Rick Deckard – sendo idênticos aos seres humanos
ao ponto da sua identificação ser demasiado difícil e subtil, eram, no mínimo
tão inteligentes quanto os engenheiros genéticos que os criaram. Foram criados
para colonizar outros planetas, sendo usados como escravos em tarefas perigosas
e situações de alto risco – foram, portanto, concebidos como se fossem seres
humanos elevados à perfeição: mais inteligentes, mais ágeis, mais fortes, mais
belos. Após um motim violento
protagonizado por um grupo de Replicantes
Nexus 6, são declarados ilegais; alguns fogem para a Terra. Os Blade Runner são a polícia especial cuja
missão é exterminar os Replicantes fugitivos – ‘atirar a matar’. A solução
final é entregue a Deckard.
Mas o que distingue, afinal, os Replicantes dos seres humanos? As Memórias (ou melhor, a sua ausência, uma vez que não tiveram infância). As Emoções (o seu criador não lhes teria inculcado a faculdade emocional). E a Duração (os Replicantes Nexus 6 estavam programados para uma vida útil de apenas quatro anos).
Todos estes critérios vão sendo postos em causa no
decorrer do filme: as memórias ‘fictícias’ de uma infância que não tiveram mas
‘criaram’ questiona, também, a essência da Memória, desse reservatório seletivo
com o qual reescrevemos grande parte do passado a partir da inteligibilidade do
presente.
A memória, as emoções e os sentimentos que, afinal os Replicantes desenvolveram estão na
base de uma das cenas clássicas do filme e do cinema, a morte de Roy. Depois de
salvar o seu perseguidor da morte, mostrando a clemência que a ‘humanidade’ de
Deckart, o caçador de androides, não logrou, Roy recorda com emoção o que viveu
e assinala que essas recordações morrerão com ele, dissolver-se-ão como
lágrimas na chuva.
Esta cena, de uma extraordinária beleza, interpela
temas clássicos da Filosofia, como a existência de Deus e a imortalidade da
alma; interpela, conjuntamente, o problema do sentido da existência, da morte e
da finitude.
Será que os andróides conquistarão, também uma vida
para além dos quatro anos da sua duração útil? Esta questão decorre do filme e
da cena da morte de Roy – será, quiçá, a pomba que se liberta das suas mãos,
como uma ‘alma’ que busca a eternidade. Não esqueçamos que, qual Zeus que vence
o seu divino pai, Cronos, Roy assassinara com as suas mãos potentes, Tyrell, o
criador dos Replicantes que se negara
a aumentar-lhes o tempo de vida. A morte de Deus.
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