segunda-feira, 17 de abril de 2017

Com que então queres ler filosofia?: O Anticristo, F. Nietzsche

Introdução à coluna

 Esta coluna dedica-se a facilitar o primeiro contacto de jovens (e não só) com obras filosóficas, através da explicação de conceitos essenciais para a sua boa e acertada compreensão.

O Anticristo

Versão utilizada como referência:

Versão da Edições 70, Coleção "Textos Filosóficos"

Clique aqui para visualizar no site da Bertrand.


De que fala esta obra?

O Anticristo é uma das últimas obras que Friedrich Nietzsche publica em vida. Tal é fácil de notar, não só pelas ideias concretas que Nietzsche já tem sobre o tópico em questão, como pelo estilo de escrita caracteristicamente nietzscheano.
 A obra fala sobre o Cristianismo e o efeito de degradação que este teve sobre a sociedade. Nietzsche mostra claramente o seu ódio por tudo o que é cristão nesta obra, sendo por isso uma das melhores obras para iniciantes de Nietzsche.

O que torna esta obra notável para iniciantes?

 A obra é extremamente boa para iniciantes devido não só pelo estado já concreto e coeso das ideias de Nietzsche, mas também pelo seu estilo de escrita apelativo e, por vezes, humorístico "com o pé na frente de batalha".
 É também um livro curto, tendo a minha edição do livro apenas 88 páginas, sem contar com uma pequena adenda no final.

 Todos estes fatores tornam esta obra extremamente apelativa.
 Porém, tal não quer dizer que, por vezes, não seja difícil de ler. Por isso, não só é aceitável, como também é recomendado, ler as passagens mais difíceis outra vez, até se compreender melhor o que o autor queria dizer.
Friedrich Nietzsche
 Esta dificuldade de leitura é, por vezes, causada pela fraca saúde mental de Nietzsche, que, na altura da publicação do livro, já tinha começado a sua última queda até à total demência (que, no seu seguinte livro, que li e não recomendo, Ecce Homo, se mostra na sua plenitude(1)).

Conceitos essenciais

A inversão da moral

 Nietzsche acreditava que o único sistema funcional que não gera décadence é um sistema em pirâmide, em que os fortes estão no topo, e os fracos na base. Os fortes têm, segundo ele, todo o direito de serem considerados superiores.
 Porém, Nietzsche considera que os Judeus e os Cristãos, por quererem desesperadamente poder, inverteram a pirâmide, fazendo com que as suas falhas fossem vistas como virtudes (e.g. a falha de não ter sexo passou a ser vista como símbolo de pureza, e algo que agradava a Deus).
 Esta inversão da pirâmide é alvo de variadas críticas de Nietzsche, que acredita que ao se dar esta inversão se criou uma moral de escravos, em que os fracos dominam os fortes através da moral, e, mais importantemente neste caso, da religião.
 As tentativas de estabelecer direitos iguais para todos são também vistas como algo de mau por parte de Nietzsche:
«(...)a desigualdade dos direitos é a primeira condição para que em geral haja direitos.»(2)

"Deus está morto"

 O conceito da morte de Deus não é encarado literalmente por Nietzsche, mas sim figurativamente, no sentido em que Deus, e a religião no geral, já não são necessários para guiar moralmente o Homem. Em vez disso, o Homem deve-se aproximar da ciência e de outros fatores que nos podem guiar moralmente.
 Esta aproximação é absolutamente necessária, visto que, assim que a religião é eliminada, aos olhos de Nietzsche, já não existem valores absolutos religiosos que guiem os Homens, o que levará a Niilismo em massa, algo que Nietzsche tenta procurar, ao longo da sua obra, a solução para.

Nietzsche não era anti-semita

 Após a leitura do livro, existem passagens que causam a suspeita de que Nietzsche era anti-semita. O seu ódio pelos Judeus parece evidente. Porém, quando Nietzsche se refere aos Judeus, e, numa certa passagem, à herança judaica, ele refere-se à religião Judaica e aos modos de vida criada por esta. Nietzsche vê os Judeus não como escumalha (ou, nos seus termos, tchandala), mas talvez como um povo que foi corrompido pela natureza da sua religião. O ódio de Nietzsche estende-se a todas as religiões ocidentais (e talvez orientais), devido à maneira como dominaram o Homem e criaram a moral de escravos.

O ataque aos apóstolos

 Nietzsche ataca os apóstolos pois, segundo ele:
«(...)no fundo, só existiu apenas um único cristão, e esse morreu na cruz.»(3)
 Os apóstolos são considerados por Nietzsche como oportunistas à procura de poder. O apóstolo mais atacado por Nietzsche durante O Anticristo é Paulo, que, segundo Nietzsche, se apercebeu de que era necessário afastar o homem da liberdade e da ciência, e que a única maneira de o fazer era através da fé.
«A fé, enquanto imperativo, é o veto contra a ciência - in praxi, a mentira a todo o custo... Paulo compreendeu que a mentira - a «fé» - era necessária; a Igreja, mais tarde, compreendeu de novo Paulo.»(4)
 Nietzsche considera também que Paulo:
«(...) (tomou) a decisão ousada (...) em chamar «Deus» à sua própria vontade (...)»(5)
 Com isto, Nietzsche tenta demonstrar a corrupção existente no Cristianismo desde a sua fundação.

O ódio ao dualismo

 Um dos principais ódios de Nietzsche era o dualismo, ou seja, a separação filosófica da alma e do corpo, em que a alma é normalmente posta acima na hierarquia. Tal tradição acompanha os principais pensamentos filosóficos desde o tempo de Sócrates, e está presente na religião cristã. Esta é uma das várias razões do ódio de Nietzsche ao Cristianismo.

Nota final

 Espero que este artigo ajude a iniciar pelo menos uma pessoa ao mundo da filosofia, não só Nietzscheana, mas também no geral.
 Peço feedback, e sugestões para mais livros para eu cobrir nesta coluna. 

 

Referências

http://static.fnac-static.com/multimedia/PT/images_produits/PT/ZoomPE/8/2/2/9789724413228/tsp20110204202333/O-Anticristo.jpg

https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/1/1b/Nietzsche187a.jpg/800px-Nietzsche187a.jpg 

Nietzsche, Friedrich "O Anticristo", Edições 70, Agosto de 2016


(1) Tal é discutível, pois afirma-se que Nietzsche escreve Ecce Homo da maneira mais incoerente e irónica possível, de forma a que não o compreendessem (talvez para não ser tomado como um "messias").
(2) Pág.80
(3) Pág.52
(4) Pág.64
(5) Ibid


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