Introdução à coluna
Esta coluna dedica-se a facilitar o primeiro contacto de jovens (e não só) com obras filosóficas, através da explicação de conceitos essenciais para a sua boa e acertada compreensão.
O Anticristo
Versão utilizada como referência:
Versão da Edições 70, Coleção "Textos Filosóficos"
Clique aqui para visualizar no site da Bertrand.
De que fala esta obra?
O Anticristo é uma das últimas obras que Friedrich Nietzsche publica em vida. Tal é fácil de notar, não só pelas ideias concretas que Nietzsche já tem sobre o tópico em questão, como pelo estilo de escrita caracteristicamente nietzscheano.
A obra fala sobre o Cristianismo e o efeito de degradação que este teve sobre a sociedade. Nietzsche mostra claramente o seu ódio por tudo o que é cristão nesta obra, sendo por isso uma das melhores obras para iniciantes de Nietzsche.
O que torna esta obra notável para iniciantes?
A obra é extremamente boa para iniciantes devido não só pelo estado já concreto e coeso das ideias de Nietzsche, mas também pelo seu estilo de escrita apelativo e, por vezes, humorístico "com o pé na frente de batalha".
É também um livro curto, tendo a minha edição do livro apenas 88 páginas, sem contar com uma pequena adenda no final.
Todos estes fatores tornam esta obra extremamente apelativa.
Porém, tal não quer dizer que, por vezes, não seja difícil de ler. Por isso, não só é aceitável, como também é recomendado, ler as passagens mais difíceis outra vez, até se compreender melhor o que o autor queria dizer.
Friedrich Nietzsche |
Conceitos essenciais
A inversão da moral
Nietzsche acreditava que o único sistema funcional que não gera décadence é um sistema em pirâmide, em que os fortes estão no topo, e os fracos na base. Os fortes têm, segundo ele, todo o direito de serem considerados superiores.
Porém, Nietzsche considera que os Judeus e os Cristãos, por quererem desesperadamente poder, inverteram a pirâmide, fazendo com que as suas falhas fossem vistas como virtudes (e.g. a falha de não ter sexo passou a ser vista como símbolo de pureza, e algo que agradava a Deus).
Esta inversão da pirâmide é alvo de variadas críticas de Nietzsche, que acredita que ao se dar esta inversão se criou uma moral de escravos, em que os fracos dominam os fortes através da moral, e, mais importantemente neste caso, da religião.
As tentativas de estabelecer direitos iguais para todos são também vistas como algo de mau por parte de Nietzsche:
«(...)a desigualdade dos direitos é a primeira condição para que em geral haja direitos.»(2)
"Deus está morto"
O conceito da morte de Deus não é encarado literalmente por Nietzsche, mas sim figurativamente, no sentido em que Deus, e a religião no geral, já não são necessários para guiar moralmente o Homem. Em vez disso, o Homem deve-se aproximar da ciência e de outros fatores que nos podem guiar moralmente.Esta aproximação é absolutamente necessária, visto que, assim que a religião é eliminada, aos olhos de Nietzsche, já não existem valores absolutos religiosos que guiem os Homens, o que levará a Niilismo em massa, algo que Nietzsche tenta procurar, ao longo da sua obra, a solução para.
Nietzsche não era anti-semita
Após a leitura do livro, existem passagens que causam a suspeita de que Nietzsche era anti-semita. O seu ódio pelos Judeus parece evidente. Porém, quando Nietzsche se refere aos Judeus, e, numa certa passagem, à herança judaica, ele refere-se à religião Judaica e aos modos de vida criada por esta. Nietzsche vê os Judeus não como escumalha (ou, nos seus termos, tchandala), mas talvez como um povo que foi corrompido pela natureza da sua religião. O ódio de Nietzsche estende-se a todas as religiões ocidentais (e talvez orientais), devido à maneira como dominaram o Homem e criaram a moral de escravos.O ataque aos apóstolos
Nietzsche ataca os apóstolos pois, segundo ele:«(...)no fundo, só existiu apenas um único cristão, e esse morreu na cruz.»(3)Os apóstolos são considerados por Nietzsche como oportunistas à procura de poder. O apóstolo mais atacado por Nietzsche durante O Anticristo é Paulo, que, segundo Nietzsche, se apercebeu de que era necessário afastar o homem da liberdade e da ciência, e que a única maneira de o fazer era através da fé.
«A fé, enquanto imperativo, é o veto contra a ciência - in praxi, a mentira a todo o custo... Paulo compreendeu que a mentira - a «fé» - era necessária; a Igreja, mais tarde, compreendeu de novo Paulo.»(4)Nietzsche considera também que Paulo:
«(...) (tomou) a decisão ousada (...) em chamar «Deus» à sua própria vontade (...)»(5)Com isto, Nietzsche tenta demonstrar a corrupção existente no Cristianismo desde a sua fundação.
O ódio ao dualismo
Um dos principais ódios de Nietzsche era o dualismo, ou seja, a separação filosófica da alma e do corpo, em que a alma é normalmente posta acima na hierarquia. Tal tradição acompanha os principais pensamentos filosóficos desde o tempo de Sócrates, e está presente na religião cristã. Esta é uma das várias razões do ódio de Nietzsche ao Cristianismo.Nota final
Espero que este artigo ajude a iniciar pelo menos uma pessoa ao mundo da filosofia, não só Nietzscheana, mas também no geral.Peço feedback, e sugestões para mais livros para eu cobrir nesta coluna.
Referências
http://static.fnac-static.com/multimedia/PT/images_produits/PT/ZoomPE/8/2/2/9789724413228/tsp20110204202333/O-Anticristo.jpg
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/1/1b/Nietzsche187a.jpg/800px-Nietzsche187a.jpg
Nietzsche, Friedrich "O Anticristo", Edições 70, Agosto de 2016
(1) Tal é discutível, pois afirma-se que Nietzsche escreve Ecce Homo da maneira mais incoerente e irónica possível, de forma a que não o compreendessem (talvez para não ser tomado como um "messias").
(2) Pág.80
(3) Pág.52
(4) Pág.64
(5) Ibid
(5) Ibid
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